
Retrato de uma família destroçada assente numa mãe ausente, Charlotte, cujas duas filhas ela marcou de um modo irreversível. Uma das filhas é deficiente do corpo e a outra da alma. A deficiente do corpo, Helena, parece resignada à sua condição de borboleta pousada sobre o vidro do mundo, para sempre imóvel e à espera de algo que a mãe, aparentemente, só lhe soube dar quando era criança. A outra filha, Eva, escolheu para si uma vida estéril, negando-se o amor ao casar com um pastor luterano, Viktor, que diz não amar.
A mãe é uma pianista famosa que direccinou toda a sua capacidade de se emocionar, ou emocionar os outros, no sentido da musica e da sua interpretação. Sacrificou a família pela carreira e a filha mais velha não lhe consegue perdoar essa escolha e consequente abandono.
Mãe e filha confrontam-se verbalmente muitas vezes, acusando-se mutuamente, mas todas as palavras são apenas uma aproximação daquilo que é a verdadeira incomunicabilidade entre elas e que aparece retratada de um modo mais marcante quando a filha toca para a mãe uma peça de Chopin. Tudo o que está ausente da interpretação da filha é aquilo que a mãe lhe deveria ter dado e a correcção que a mãe faz da interpretação da filha só faz aumentar esse fosso aberto entre elas. É algures entre a leitura de uma e a leitura da outra que se poderia encontrar um ponto de comunicação entre elas, mas já é tarde demais para qualquer uma delas fazer esse esforço e no fim só sobram culpas e acusações, que culminam com o abandono da casa pela mãe.
Os actores encontram-se muito bem sintonizados com as personagens, o registo é sempre sóbrio e apontado na direcção certa. No entanto a peça ganharia em intensidade se os diálogos entre Eva e Charlotte fossem condensados para dizer o essencial, até porque depois da cena em que ambas interpretam a peça de Chopin, para o espectador, torna-se óbvia onde se encontra a fractura da relação entre elas e as palavras em excesso pouco acrescentam a essa percepção.
Sem comentários:
Enviar um comentário