sábado, 31 de agosto de 2013

Escrever sobre a normalidade, sobre os simples equívocos que povoam a nossa vida, sobre a nossa vida interior e de como o seu reflexo no mundo exterior pode tomar contornos tão ténues que é como se não tivesse existido, o insucesso, a não luta, a indiferença, as batalhas para as quais somos arrastados e que não queremos travar e muito menos vencer, as ténues fibras das memórias que nos sustentam, que nos distinguem dos outros e que nos permitem perceber a substância intrínseca do nosso ser. Falar disto tudo numa linguagem cristalina, depurada, sóbria, com o distanciamento certo que nos permite perceber que determinada personagem somos nós, ou pelo menos a maioria de nós, que dentro dos parâmetros que avaliam sobre um maior ou menos grau de sucesso da nossa vida estamos todos, em última análise, condenados aos insucesso, pelo menos sob o ponto de vista daquilo que nos é imposto pela sociedade. 

“Stoner” de John Williams é um livro que ousa tocar em assuntos cuja profundidade vai para além das palavras que lemos. As obras primas surgem de lugares inusitados e na maioria das vezes não fazem capas de jornais ou revistas da moda, esta quando foi publicada talvez não tenha provocado qualquer alarido mas ao lê-la percebemos que se encontra para além do seu tempo e se projeta na eternidade literária.

Esta é a estória de um zé ninguém (Everyman), de todos nós, que por acaso trabalha numa Universidade mas que podia ter outra qualquer profissão porque o que o move é um momento de epifania intelectual e emocional, que ele passa a vida toda a tentar traduzir. Esse momento que o define, tão profundamente, e o faz tomar a decisão de estudar literatura, mas que podia em qualquer outra pessoa tomar uma forma distinta, toma a forma de uma quimera porque cedo ele percebe que embora seja uma máquina suficientemente sensível para receber e perceber esse sinal, nunca será capaz de o traduzir na linguagem dos outros e quando o tenta percebe que fica sempre muito aquém dos seus objetivos. Ele sabe que está condenado ao fracasso de conseguir traduzir esse sentimento e que os outros nunca o poderão compreender como ele. Ser humano é isso mesmo, passar a vida toda a lutar pela tradução correta das nossas emoções, de modo a que nos sintamos um pouco menos sós no universo. O que poucos ousam dizer e assumir, tal como Williams faz com este livro, é que quase sempre falhamos essa tentativa e que falhamos repetidamente ao longo da nossa vida, mas que apesar de tudo nunca deixamos de tentar.