sábado, 10 de agosto de 2019


Gente Comum



Os prémios dão-nos uma falsa segurança sobre a qualidade do objeto do nosso desejo, eu ainda olho para eles para validar as minhas escolhas. Claro que escolho os prémios de entre os prémios e confesso que tenho tendência para gostar mais daqueles que sinto mais próximos da minha sensibilidade. No entanto, de ano para ano cada vez ligo menos aos prémios, fui aprendendo a olhar para eles com desconfiança porque afinal pouco ou nada sei sobre o painel de pessoas que o validam e porque nos bastidores desses prémios os indivíduos que fazem parte desses painéis não estão apenas presos a preconceitos, aos quais ninguém escapa, mas acima de tudo porque têm quase sempre uma tendência subversiva manifestada na dívida material ou emotiva para com amigos ou pessoas mais próximas que acham que devem servir, elogiar ou ajudar a promover.
Por causa dos prémios, e críticas literárias, já comprei livros que nada me dizem e que me deixam com a sensação de engodo. Por isso cada vez com menos frequência sigo o ditame dos prémios literários ou das longas listas de final do ano que incluem o melhor do que foi publicado. Mas há fascínios que não morrem só porque a razão assim o deseja e lá acabo por comprar aquilo de que toda a gente fala, claro que cada vez menos será uma gente qualquer, passo o snobismo literário.
Acabei então por comprar o primeiro livro da Sally Rooney, jovem escritora irlandesa, ampla e universalmente aclamada pelos quatros cantos do mundo literário. O livro foi lido no original “Conversation with friends” mas já existe uma tradução portuguesa. Sim, ganhou pelo menos um prémio literário e foi elogiado por críticos da New Yorker, revista onde a autora já imprimiu alguns textos, e outras publicações de referência.
Eu lancei-me na leitura do livro e é sem dúvida uma literatura que me cativou desde as primeiras páginas, elegante, subtil, profunda e com um sentido de diálogo que dá uma lição a muitos escritores que para aí andam. Ao terminar o livro fiquei com a sensação de que é um livro competente, muito bem escrito, mas que não passa de um prólogo para o que se lhe seguiu, esse sim, um livro extraordinário e onde é notório que a autora se encontra já sem as amarras que se pressentiam inicialmente na sua obra de estreia. É nesse segundo livro da autora “Normal People”, também já com tradução lusa, que se percebe claramente que estamos perante uma nova e brilhante voz da literatura contemporânea. Tudo no livro é perfeito, o tom, a profundidade, a emoção e como não podia deixar de ser o modo comovente como nos é apresentada a estória da relação entre duas pessoas comuns, um retrato tão íntimo que faz com que o leitor seja o meio através do qual as emoções das personagens navegam, e isso julgo que talvez seja o maior elogio que se pode fazer a um escritor.

sábado, 15 de junho de 2019



Mais uma edição do Festival de Almada sempre com a urgência de se ver e fazer mais Teatro.
Este ano com um espectáculo de Robert Wilson no CCB que dirige Isabelle Huppert em Mary disse o que disse. Este será o grande anzol mas o peixe poderá ser bem mais graúdo do que o desgastado minimalismo teatral do Robert Wilson. Consultando o programa aguça-se o apetite para pelo menos meia-dúzia de espectáculos que valerá a pena arriscar e nem todos vindos do estrangeiro.
A Lulu do Franz Wedekind encenado pelo Nuno M Cardoso, um clássico do século XX muito poucas vezes apresentado em Portugal e que já foi protagonizado pela enigmática Louise Brooks no filme de G. W. Pabst Pandora´s Box ou revestido musical e atonalmente pelo compositor Austríaco Alban Berg. De produção nacional também importa destacar uma peça de Jean Genet Colónia penal encenada pelo António Pires e cuja revisitação é sempre urgente.
Depois é só escolher entre o teatro italiano, croata ou francês para constatar que apesar de todas essas diferentes origens geográficas será tudo muito do que isso, porque o teatro não tem fronteiras e já se sabe que usa de uma linguagem universal.