segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Wilde At Heart

A passear pelas livrarias encontrei este livro



e apeteceu-me escrever este texto.

Que Oscar Wilde (1854 – 1900) é um dos grandes escritores do final do Sec. XIX já restam poucas dúvidas e agora que nos encontramos a uma distância significativa do símbolo de mártir gay, com conversão rápida ao Catolicismo, e neste caso mártir sem gay, ainda é mais fácil sustentar essa afirmação sem o perigo de limitar a obra desse génio irlandês emigrante na vida e na morte.
Não esquecendo a sua única novela “The Picture of Dorian Gray”, e alguns poemas, o tempo também nos auxilia a perceber que é como dramaturgo que ele realiza a sua verdadeira dimensão literária, é no teatro que todo o seu “wit” se torna imortal. Numa altura em que em Inglaterra o sentido de classe era ainda muito apurado ele aponta a sua plume na direcção das classes altas para as atingir onde ele sabia que ia fazer mossa, esse era o meio social que lhe era familiar e que se ajustava perfeitamente ao retrato de decadência que ele ilustrou de modo tão brilhante. As peças de Wilde encontram-se povoadas de nobres sem dinheiro, Lords e políticos corruptos, jovens americanas ricas, Ladys, dandies e senhoras caídas em desgraça numa sociedade misógina e moralmente inflexível mas onde o dinheiro afinal é capaz de produzir milagres e mesmo apagar passados que possam ser incómodos.
Num tom mais ou menos trágico todas as peças são percorridas pelo penetrante wit de Wilde que através das suas personagens nos vai surpreendendo com frases memoráveis, autênticos aforismos, sobre nós e os outros. Achamos irresistíveis essas frases e agora, como seres tão do novo milénio, talvez tenhamos a tentação de imaginar que elas não nos são dirigidas e rimo-nos sob a protecção da máscara do tempo pensando “que temos nós agora, no sec. XXI, a ver com aqueles vitorianos?” A resposta é simples e pode ser sustentada pelas personagens de Wilde:

O Leque de Lady Widermere

Cecil Graham: O que é um cínico? / Lord Darlington: Um homem que sabe o preço de tudo e o valor de nada.

Não consigo encontrar melhor definição para a atitude do ser humano nos dias de hoje quer seja na política, ou noutra qualquer esfera de poder.

Uma Mulher sem Importância

Lord Illingworth: Hoje em dia sobrevive-se a tudo, excepto à morte, e está-se à altura de tudo excepto de uma boa reputação.

Lord Illingworth: Eu não tenciono envelhecer. A alma nasce velha mas vai rejuvenescendo. Essa é a comédia da vida. / Mrs. Allonby: E o corpo nasce jovem e vai envelhecendo. Essa é a tragédia da vida.

Lord Illingworth: A única diferença entre um santo e um pecador é que todo o santo possui um passado, e todo o pecador um futuro.

Um Marido Ideal

Lord Goring: Moda é o que nós usamos. O que está fora de moda é o que os outros usam.

Lord Goring: Amarmo-nos é o princípio de um romance para toda a vida.

A Importância de Ser-se Sério

Algeron: Mais de metade da nossa cultura depende daquilo que não devíamos ler.

Nestas breves citações é-nos apresentado um resumo daquilo que nos consome nos dias de hoje. Wilde torna-se assim o profeta das revistas de moda, do amor pelo efémero, de um egocentrismo inflamado, da decadência absoluta e de uma nova forma de moral. É possível imaginar as personagens da série “Sex & the City”, paradigmas das mulheres modernas e emancipadas, a roubarem qualquer umas destas frases à pena de Wilde. Só a ele lhe seria permitido constatar o óbvio, que afinal Carrie e as amigas não são mais que homens transvestidos, dandies num estado extremo que ele, nem nos seus Wildest dreams, conseguiria imaginar como possíveis.
Wilde escreveu mais peças: Vera ou os niilistas, A Duquesa de Pádua, Uma Tragédia Florentina e La Sainte Courtisane, esta última deixada incompleta. Para além do corpo central composto pelas peças donde foram retiradas as citações, só existe outra obra dramática da qual se pode afirmar estar imbuída do mais perfeito espírito Wildiano, “Salomé” a qual foi escrita originalmente em francês. Richard Strauss ficou tão impressionado com esta peça, quando a viu encenada em Paris, que não pode deixar de escrever uma sublime Ópera homónima baseada no texto de Wilde. Este drama, sobre uma mulher maldita, sobressai do conjunto da sua obra pelo tom mais negro que apresenta e por ter sido escrita numa linguagem quase poética.
A vida de Wilde acaba de um modo muito próximo do que ele profetizou para a morte de uma personagem inexistente na peça “The Importance of Being Earnest” :

Jack: Ele morreu no estrangeiro; de facto, em Paris. Recebi um telegrama ontem à noite do gerente do Grand Hotel.
Chasouble: E vinha especificada a causa da morte?
Jack: Um forte resfriado, ao que parece.
Jack: Ele exprimiu o desejo de ser enterrado em Paris.

Jack está a falar de um irmão inexistente, chamado Ernest, que ele decide matar, no entanto não deixa de ser premonitório que com pequenas alterações, o Hotel onde Wilde morreu não era tão faustoso como o Grand Hotel, antes pelo contrário, esta tenha sido uma profecia sobre a sua morte em Paris no ano de 1900. Pelo que se sabe ele não morreu de um resfriado, mas sim de complicações resultantes da Sífilis ou de uma infecção rara no ouvido médio. Wilde foi no entanto enterrado em Paris, primeiro no Cemitério de Bagneaux e mais tarde, em 1909, transladado para o cemitério de Père Lachaise, ao que parece o seu corpo encontrava-se incorrupto; mais um elemento para a beatificação do St. Wilde. Sob o seu corpo foi colocada uma pedra tumular, patrocinada por uma misteriosa mulher que se quis manter anónima, e desenhada por Jacob Epstein, onde hoje em dia se podem ler gravadas a lápis, caneta ou baton vermelho as mais pungentes declarações de amor dirigidas a alguém cujas peças devíamos ver mais vezes em palco. Há quem considere sacrílegas estas demonstrações de afecto mas esses são provavelmente os herdeiros morais das mesmas pessoas que o condenaram em vida e que agora o tentam erguer ao som das trompetas do Juízo Final como o mais puro dos Santos. Certeza absoluta só a de que, com ou sem juízo final, ele há-de erguer-se sempre mas como o mais puro dos dramaturgos, e de mais imortalidade ele não necessita.
A tradução apresentada é razoável mas traz para a capa do livro um dilema muito próprio de qualquer tradução. “The Importance of Being Earnest” é um jogo de palavras entre Ernest e Earnest, ambos soam ao mesmo quando ditos mas não são o mesmo quando escritos. A escolha do tradutor de não traduzir a palavra Earnest é compreensível mas dificilmente justificável porque na realidade não é um nome como assim se faz crer. Nem com recurso a uma citação de Harold Bloom se sustenta muito bem a opção do tradutor, que neste caso há-de ser sempre polémica. No entanto tirando este pormenor, que para a maioria dos leitores pode ser irrelevante, estamos perante um trabalho de tradução que faz total justiça ao teatro de Wilde.

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