quarta-feira, 28 de novembro de 2007
Hyacints And Thistles
The Dead Only Quickly
Priests and fools say
we are but animate clay,
but rude vessels
housing immortal souls
But the dead only quickly decay
They don’t go about being born and reborn
and rising and falling like sufflé
The dead only quickly decay
It would be swell
to see some folks burn in Hell
But when they go
it’s just as pleasant to know
That the dead only quickly decay...
Lyrics by Stephen Merritt
Hoje reencontrei-me com este cd que me estava a olhar da prateleira.
A voz é do Neil Hannon, o génio do Stephen Merritt sob um dos seus múltiplos disfarces – The 6ths.
Diversity or Divergency
Tomates parecem ter os mentores desta campanha...agora rectificaram-na, festejemos, na diversidade! E mais, não é que o rapaz ainda tão entusiasmado com a garrafa de cerveja está agora a ser apoiado ou por ele próprio ou por um irmão gémeo, o que não deixa realmente de ser ousado pois de uma só vez, e com uma singela imagem, se diz que até o incesto e o onanismo se podem celebrar bebendo esta singela cevada.
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
A Pussy With A Gun In His Hands
Depois da era do politicamente correcto, que se gastou tão depressa como qualquer outra ideia de marketing político, chegou a altura de tentar deixar passar conceitos que ficaram mortos pelo uso e abuso mas que possuem efectivamente uma importância seminal para a nossa sobrevivência. O do livre porte de armas é um deles, por enquanto é um problema que parece só preocupar os habitantes dos Estados Unidos, no entanto não vale a pena tentar nos enganarmos, porque sabemos que a velha Europa tem sido influenciada pela cultura norte-americana e por isso não é preciso ser um visionário para perceber que este problema está bem mais próximo de nós do que desejaríamos. Infelizmente há poucos dias isto ficou demonstrado pelos acontecimentos que emulam, ou tentam, os tiroteios cada vez mais frequentes nos liceus e universidades americanas e que agora tiveram ecos em escolas europeias.
Este filme, Shoot ‘Em Up, recorrendo ao absurdo da violência extrema tenta passar precisamente a mensagem contrária, e fazer-nos questionar essa mesma violência cada vez mais vulgarizada pelo grande e pequeno ecrã. O herói do filme, Mr Smith protagonizado por Clive Owen, transforma-se no guardião de um bebé que é um alvo a abater por parte de um sinistro assassino a contrato Hertz (Paul Giamatti). A história deve muito ao universo da banda desenhada e cultura popular, e isso é assumido desde o início através do uso recorrente da cenoura que Mr Smith está sempre a roer numa referência directa ao Bugs Bunny. Como seria de esperar o filme é povoado por políticos corruptos e empresários sem escrúpulos contra os quais o nosso herói tem que lutar. Essa luta toma a forma de um massacre em defesa da frágil criatura, todos os que se cruzam no seu caminho encontram o mesmo fim, uma morte mais ou menos violenta. Embora o filme desde o inicio seja uma mortandade perpetrada por Smith é curioso constatar que até meio do filme a única arma que é verdadeiramente dele é a cenoura, todas as outras são dos inimigos que ele vai enfrentando e abatendo.
Mr Smith é retratado como sendo um homem muito zangado com o mundo, com os condutores que não respeitam as regras de condução, com os que não sabem comportar-se à mesa, com os que não tomam banho, com os que possuem um sentido estético duvidoso e desajustado, enfim tudo o que pode e deve irritar qualquer pessoa, qualquer Sr Silva. Só que nós nunca vamos para além de uma breve demonstração de irritação que se esfuma em poucos segundos, mas no caso de Smith é-lhe permitido ter tempo não só para se irritar como logo de seguida arranjar uma desculpa, geralmente dada pelas circunstâncias, para materializar essa irritação matando tudo e todos.
O filme através do uso de humor negro, e recorrendo à violência extrema, quer-nos induzir a sensação de nojo pela facilidade com que hoje em dia se mata e fazer-nos questionar sobre a utilidade de qualquer pessoa andar com uma arma e poder assim eliminar quem o estiver a irritar ou incomodar.
A mensagem passa de alguma maneira, até porque é reforçada pelo diálogo que puxa sempre no sentido das ideias mais liberais, mas corre o risco de ser mal interpretado porque o humor é uma lâmina de dois gumes e pode induzir algumas pessoas a não levarem muito a sério a ideia fundamental do filme, a do perigo representado pelo facto de o mais cobarde dos homens se julgar um herói quando na posse de uma arma, exercício de poder que poucos de nós estarão à altura de contrariar.
Este filme, Shoot ‘Em Up, recorrendo ao absurdo da violência extrema tenta passar precisamente a mensagem contrária, e fazer-nos questionar essa mesma violência cada vez mais vulgarizada pelo grande e pequeno ecrã. O herói do filme, Mr Smith protagonizado por Clive Owen, transforma-se no guardião de um bebé que é um alvo a abater por parte de um sinistro assassino a contrato Hertz (Paul Giamatti). A história deve muito ao universo da banda desenhada e cultura popular, e isso é assumido desde o início através do uso recorrente da cenoura que Mr Smith está sempre a roer numa referência directa ao Bugs Bunny. Como seria de esperar o filme é povoado por políticos corruptos e empresários sem escrúpulos contra os quais o nosso herói tem que lutar. Essa luta toma a forma de um massacre em defesa da frágil criatura, todos os que se cruzam no seu caminho encontram o mesmo fim, uma morte mais ou menos violenta. Embora o filme desde o inicio seja uma mortandade perpetrada por Smith é curioso constatar que até meio do filme a única arma que é verdadeiramente dele é a cenoura, todas as outras são dos inimigos que ele vai enfrentando e abatendo.
Mr Smith é retratado como sendo um homem muito zangado com o mundo, com os condutores que não respeitam as regras de condução, com os que não sabem comportar-se à mesa, com os que não tomam banho, com os que possuem um sentido estético duvidoso e desajustado, enfim tudo o que pode e deve irritar qualquer pessoa, qualquer Sr Silva. Só que nós nunca vamos para além de uma breve demonstração de irritação que se esfuma em poucos segundos, mas no caso de Smith é-lhe permitido ter tempo não só para se irritar como logo de seguida arranjar uma desculpa, geralmente dada pelas circunstâncias, para materializar essa irritação matando tudo e todos.
O filme através do uso de humor negro, e recorrendo à violência extrema, quer-nos induzir a sensação de nojo pela facilidade com que hoje em dia se mata e fazer-nos questionar sobre a utilidade de qualquer pessoa andar com uma arma e poder assim eliminar quem o estiver a irritar ou incomodar.
A mensagem passa de alguma maneira, até porque é reforçada pelo diálogo que puxa sempre no sentido das ideias mais liberais, mas corre o risco de ser mal interpretado porque o humor é uma lâmina de dois gumes e pode induzir algumas pessoas a não levarem muito a sério a ideia fundamental do filme, a do perigo representado pelo facto de o mais cobarde dos homens se julgar um herói quando na posse de uma arma, exercício de poder que poucos de nós estarão à altura de contrariar.
sábado, 24 de novembro de 2007
Winter Landscape Played As An Autumn Sonata
Retrato de uma família destroçada assente numa mãe ausente, Charlotte, cujas duas filhas ela marcou de um modo irreversível. Uma das filhas é deficiente do corpo e a outra da alma. A deficiente do corpo, Helena, parece resignada à sua condição de borboleta pousada sobre o vidro do mundo, para sempre imóvel e à espera de algo que a mãe, aparentemente, só lhe soube dar quando era criança. A outra filha, Eva, escolheu para si uma vida estéril, negando-se o amor ao casar com um pastor luterano, Viktor, que diz não amar.
A mãe é uma pianista famosa que direccinou toda a sua capacidade de se emocionar, ou emocionar os outros, no sentido da musica e da sua interpretação. Sacrificou a família pela carreira e a filha mais velha não lhe consegue perdoar essa escolha e consequente abandono.
Mãe e filha confrontam-se verbalmente muitas vezes, acusando-se mutuamente, mas todas as palavras são apenas uma aproximação daquilo que é a verdadeira incomunicabilidade entre elas e que aparece retratada de um modo mais marcante quando a filha toca para a mãe uma peça de Chopin. Tudo o que está ausente da interpretação da filha é aquilo que a mãe lhe deveria ter dado e a correcção que a mãe faz da interpretação da filha só faz aumentar esse fosso aberto entre elas. É algures entre a leitura de uma e a leitura da outra que se poderia encontrar um ponto de comunicação entre elas, mas já é tarde demais para qualquer uma delas fazer esse esforço e no fim só sobram culpas e acusações, que culminam com o abandono da casa pela mãe.
Os actores encontram-se muito bem sintonizados com as personagens, o registo é sempre sóbrio e apontado na direcção certa. No entanto a peça ganharia em intensidade se os diálogos entre Eva e Charlotte fossem condensados para dizer o essencial, até porque depois da cena em que ambas interpretam a peça de Chopin, para o espectador, torna-se óbvia onde se encontra a fractura da relação entre elas e as palavras em excesso pouco acrescentam a essa percepção.
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Whoring Life
Quando esta série realizada por R.W. Fassbinder passou na televisão (1979/80) eu não tinha idade e muito menos maturidade para a ver e apreciar. Uns anos mais tarde quando soube que ia passar na Cinemateca fiz por lá ir e fui, na esperança de poder aproveitar melhor o festim de imagens. Comigo levava o número 100 da Ficção Universal da Dom Quixote “Berlim Alexanderplatz”, precisamente a obra homónima na qual o realizador se baseou e que foi escrita por Afred Döblin; livro que me acompanhou desde a primeira sessão e que iria estar comigo durante todos os 393 minutos de duração da série. O fatídico dia foi a 6 de Abril de 2004, as cadeiras, da ainda por remodelar Cinemateca, eram brancas, enormes e eu afundei-me nelas nos dois dias seguintes e mais tarde para a apoteose, no dia 13, quando foi apresentado o impressionante epílogo, este último episódio que funciona como um filme dentro do filme, um delírio do realizador sob a forma de uma alucinação sofrida por Franz Biberkopf, o (anti) herói da obra literária e da película. Ter lido o livro ao mesmo tempo que via a série foi uma revelação porque nunca antes tinha tido acesso a apreciar um trabalho tão perfeito de adaptação e confirmar que é possível retratar de um modo muito fiel o universo literário de um escritor sem desvirtuar em nada o trabalho do realizador e vice-versa; as imagens eram tão próximas das que tinha imaginado durante a minha leitura que os dois objectos ficarão em mim para sempre associados e fazem parte de um único organismo vivo, feito de papel e celulóide. Desde essa data não voltei a rever a série, ou a ler o livro, mas ainda guardo presente esse momento memorável que agora vou poder reviver graças à esta nova edição em DVD. Esta é uma versão digitalizada que inclui alguns extras e cuja restauração da película original, de 16 mm, se encontra envolta nalguma controvérsia. Tenho encontro marcado com o Franz à saída da prisão que dá para a Alexanderplatz e sei que não vou estar sozinho.
Só para os cépticos.
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
Straight Billy Board
terça-feira, 20 de novembro de 2007
Past Ghosts
Ingmar Bergman (1918-2007) foi um nazi passivo. O seu irmão fundador do partido nazi Sueco, e o pai um austero luterano que chegou a votar no partido fundado pelo filho. Bergman esteve nos anos 30 na Alemanha a viver no seio de uma família simpatizante nazi no âmbito de um programa de troca de estudantes e teve acesso a ouvir um discurso de Hitler em Weimar. O fascínio pelo nazismo manteve-se durante os anos trinta e como tal esteve presente até ao início da idade adulta. Esta informação que não é nova, pois ele já a havia assumido na autobiografia “A Lanterna Mágica”, e só nos poderá ser útil na medida em que tráz uma nova dimensão ao universo cinematográfico de Bergman. Poderá também servir para demonstrar que “diz-me que títulos dás aos teus filmes e dir-te-ei que guardas uma grande culpa”:
Confissões Privadas
O Ovo Da Serpente (Sobre a Alemanha nazi)
A Mentira
Vergonha
O Silêncio
Através De Um Negro Espelho
O Olho Do Diabo
Luz Nocturna
Culpa herança familiar mas que não será só de origem religiosa e isso faz toda a diferença. Uma coisa é sentir que se é culpado por um pecado imaterial, imputável a toda a humanidade, outra é a de estar sozinho com a nossa consciência numa espécie de salto mortal sem rede, porque nem sempre estamos à altura de tomar as posições certas na altura devida. E com este drama todos nós nos podemos identificar.
domingo, 18 de novembro de 2007
Orfeu e Eurídice (In Real Time)
Orfeu estava em frente ao televisor há tantas horas que já tinha perdido a noção do tempo que tinha passado desde que Eurídice tinha saído para fazer o quê? Ele já não se lembrava muito bem. Tinha qualquer coisa a ver com a morte, se não fosse a morte era algo parecido, Ah! já se lembrava tinha ido ao Centro Comercial Colombo, ver os saldos, mas isso tinha sido há tantas horas, ou seriam dias?, que agora já começava a ficar preocupado. Não moravam muito longe do centro comercial por isso aproveitou o intervalo de um jogo de futebol e colocando um casaco por cima do fato de treino lá foi à procura da sua mulher.
Entrou no espaço comercial que conhecia tão bem como a palma da sua mão a trautear o hino do Benfica, o seu clube de eleição, e pareceu-lhe que toda a gente olhava para ele com ar de aprovação, diria mais, que todos estavam rendidos àquela melodia, abrindo espaço à sua passagem para lhe facilitar a procura da sua Eurídice.
Sentiu-se uma espécie de semi-deus protegido pela aura criada pelo hino que assobiava cada vez mais alto em tom de desafio à música que insistia em sair dos altifalantes. Procurou Eurídice pelos locais onde sabia ser mais provável encontrá-la, começou pela secção de roupa do Continente, depois foi até àquela loja especial dos telemóveis, para a encontrar de costas voltadas para si sentada numa cadeira de demonstração de cosméticos que estava no meio do átrio. Eurídice estava a pôr-se ainda mais bonita. Orfeu percebeu que aquelas costas reconheceria em qualquer local, pareciam as costas de uma atleta olímpica de natação, largas e espadaúdas, inchado de orgulho decidiu surpreende-la por detrás segredando-lhe ao ouvido o seu nome. E foi o que fez, chegou perto dela, silenciou a menina dos cosméticos com o seu indicador esticado sobre os seus lábios escondidos sob o farfalhudo bigode. A menina percebeu logo e Eurídice devia estar de olhos fechados. Ele disse:
Euridice, está na hora do jantar…
Ela deu um pequeno grito estridente num comprimento de onde situado algures entre o prazer e o susto e disse:
Oh! Marido, vou já. Mas não olhes para mim assim, com esta máscara horrível.
Então eu espero que aqui a menina te retire a máscara e vamos para casa.
Foi nessa altura que a, até ao momento discreta, menina dos cosméticos disse:
Mas minha senhora, para a máscara fazer efeito tem que ficar com ela pelo menos mais meia hora…
Orfeu irritou-se um bocado com o tom dela mas não disse nada, foi Eurídice quem falou:
Não faz mal, eu vou assim, mas Orfeu só perante uma condição.
Diz lá, minha esposa.
Não podes olhar para mim até chegarmos a casa e eu tiver tirado este creme do meu rosto. Não quero que me vejas assim
Já sabes que eu obedeço sempre aos teus desejos, minha Euridice.
E lá foram os dois em direcção a casa, ele à frente dela a assobiar o hino do Benfica e ela atrás de máscara no rosto; Orfeu percebeu que agora as pessoas lhe abriam caminho por outras razões, já não pelo respeito induzido pela música que lhe saia dos lábios mas porque se queriam afastar do espectáculo que Eurídice parecia estar a dar. Orfeu viu tais expressões estampadas nos rostos das pessoas com quem se cruzava que começou a ficar cada vez mais curioso sobre o estado do rosto da sua Euridice, tentou ignorar os outros transeuntes mas era constantemente inundado por uma curiosidade impossível de controlar, até que não se podendo conter mais, olhou para trás. Euridice ao aperceber-se que ele ia olhar para trás desatou a correr o mais depressa que pode, para longe do olhar do seu marido, e tão depressa o fez que ele rapidamente a perdeu de vista, no meio de toda aquela multidão. Orfeu olhou então para o relógio e reparou que a segunda parte o jogo estava prestes a começar, decidiu instintivamente acelerar o passo para casa.
Orfeu visto por Cocteau, ainda longe de ser um Benfiquista.
Entrou no espaço comercial que conhecia tão bem como a palma da sua mão a trautear o hino do Benfica, o seu clube de eleição, e pareceu-lhe que toda a gente olhava para ele com ar de aprovação, diria mais, que todos estavam rendidos àquela melodia, abrindo espaço à sua passagem para lhe facilitar a procura da sua Eurídice.
Sentiu-se uma espécie de semi-deus protegido pela aura criada pelo hino que assobiava cada vez mais alto em tom de desafio à música que insistia em sair dos altifalantes. Procurou Eurídice pelos locais onde sabia ser mais provável encontrá-la, começou pela secção de roupa do Continente, depois foi até àquela loja especial dos telemóveis, para a encontrar de costas voltadas para si sentada numa cadeira de demonstração de cosméticos que estava no meio do átrio. Eurídice estava a pôr-se ainda mais bonita. Orfeu percebeu que aquelas costas reconheceria em qualquer local, pareciam as costas de uma atleta olímpica de natação, largas e espadaúdas, inchado de orgulho decidiu surpreende-la por detrás segredando-lhe ao ouvido o seu nome. E foi o que fez, chegou perto dela, silenciou a menina dos cosméticos com o seu indicador esticado sobre os seus lábios escondidos sob o farfalhudo bigode. A menina percebeu logo e Eurídice devia estar de olhos fechados. Ele disse:
Euridice, está na hora do jantar…
Ela deu um pequeno grito estridente num comprimento de onde situado algures entre o prazer e o susto e disse:
Oh! Marido, vou já. Mas não olhes para mim assim, com esta máscara horrível.
Então eu espero que aqui a menina te retire a máscara e vamos para casa.
Foi nessa altura que a, até ao momento discreta, menina dos cosméticos disse:
Mas minha senhora, para a máscara fazer efeito tem que ficar com ela pelo menos mais meia hora…
Orfeu irritou-se um bocado com o tom dela mas não disse nada, foi Eurídice quem falou:
Não faz mal, eu vou assim, mas Orfeu só perante uma condição.
Diz lá, minha esposa.
Não podes olhar para mim até chegarmos a casa e eu tiver tirado este creme do meu rosto. Não quero que me vejas assim
Já sabes que eu obedeço sempre aos teus desejos, minha Euridice.
E lá foram os dois em direcção a casa, ele à frente dela a assobiar o hino do Benfica e ela atrás de máscara no rosto; Orfeu percebeu que agora as pessoas lhe abriam caminho por outras razões, já não pelo respeito induzido pela música que lhe saia dos lábios mas porque se queriam afastar do espectáculo que Eurídice parecia estar a dar. Orfeu viu tais expressões estampadas nos rostos das pessoas com quem se cruzava que começou a ficar cada vez mais curioso sobre o estado do rosto da sua Euridice, tentou ignorar os outros transeuntes mas era constantemente inundado por uma curiosidade impossível de controlar, até que não se podendo conter mais, olhou para trás. Euridice ao aperceber-se que ele ia olhar para trás desatou a correr o mais depressa que pode, para longe do olhar do seu marido, e tão depressa o fez que ele rapidamente a perdeu de vista, no meio de toda aquela multidão. Orfeu olhou então para o relógio e reparou que a segunda parte o jogo estava prestes a começar, decidiu instintivamente acelerar o passo para casa.
Orfeu visto por Cocteau, ainda longe de ser um Benfiquista.
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Wise Door
Stop The Bonde
O Bonde não rolou como eu esperava e acabei por viver um momento histórico na minha vida ao assistir a um dos piores concertos de que tenho memória. Aquilo que me foi dado ver em palco nem um péssimo grupo de amadores seria capaz de igualar. A atitude punk estava lá, mas era como se fosse uma espécie de punk articial e imitado por adultos com a idade mental de crianças de 5 anos, e pior ainda vivido de um modo seguro, sem o risco de qualquer perigo eminente, tudo demasiado encenado e repetitivo desde os pulos aos gestos; natural só talvez os irritantes guinchos estridentes por parte do DJ de serviço que se deveria ter mantido em silêncio por detrás da mesa de mistura. O que no disco de estúdio soa a várias influências carnudas do funk brasileiro, e não só, ao vivo transforma-se numa amálgama indiscernível que faz soar tudo ao mesmo. E nada, absolutamente nada, sobrevive do cd “Bonde do Role with Lasers” o que nos leva a pensar que muito do som deles, talvez não seja bem deles, mas de uma equipa de produção que em estúdio tem talento suficiente para disfarçar o indisfarçável. Concerto para esquecer ou para relembrar quando a vida nos corre mal e ajuda pensar em coisas piores que nos podiam estar a acontecer.
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Beirut as if Bayreuth
Alguém disse:
"It is sonorous and full-blooded, reminiscent of Morrissey and the Magnetic Fields, operatic in its range and meticulous enunciation"
E sim eles estão lá, por muito sacrílego que isso possa soar aos meus ouvidos. Eu acrescentaria Divine Comedy já que estou numa de sacrilégio, isto para além do óbvio Tom Waits. São os Beirut, na realidade o Sr. Zach Condon, depois do primeiro album "The Gulag Orkestar". Ele tem apenas 21 anos e muito talento.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
Wilde At Heart
A passear pelas livrarias encontrei este livro
e apeteceu-me escrever este texto.
Que Oscar Wilde (1854 – 1900) é um dos grandes escritores do final do Sec. XIX já restam poucas dúvidas e agora que nos encontramos a uma distância significativa do símbolo de mártir gay, com conversão rápida ao Catolicismo, e neste caso mártir sem gay, ainda é mais fácil sustentar essa afirmação sem o perigo de limitar a obra desse génio irlandês emigrante na vida e na morte.
Não esquecendo a sua única novela “The Picture of Dorian Gray”, e alguns poemas, o tempo também nos auxilia a perceber que é como dramaturgo que ele realiza a sua verdadeira dimensão literária, é no teatro que todo o seu “wit” se torna imortal. Numa altura em que em Inglaterra o sentido de classe era ainda muito apurado ele aponta a sua plume na direcção das classes altas para as atingir onde ele sabia que ia fazer mossa, esse era o meio social que lhe era familiar e que se ajustava perfeitamente ao retrato de decadência que ele ilustrou de modo tão brilhante. As peças de Wilde encontram-se povoadas de nobres sem dinheiro, Lords e políticos corruptos, jovens americanas ricas, Ladys, dandies e senhoras caídas em desgraça numa sociedade misógina e moralmente inflexível mas onde o dinheiro afinal é capaz de produzir milagres e mesmo apagar passados que possam ser incómodos.
Num tom mais ou menos trágico todas as peças são percorridas pelo penetrante wit de Wilde que através das suas personagens nos vai surpreendendo com frases memoráveis, autênticos aforismos, sobre nós e os outros. Achamos irresistíveis essas frases e agora, como seres tão do novo milénio, talvez tenhamos a tentação de imaginar que elas não nos são dirigidas e rimo-nos sob a protecção da máscara do tempo pensando “que temos nós agora, no sec. XXI, a ver com aqueles vitorianos?” A resposta é simples e pode ser sustentada pelas personagens de Wilde:
O Leque de Lady Widermere
Cecil Graham: O que é um cínico? / Lord Darlington: Um homem que sabe o preço de tudo e o valor de nada.
Não consigo encontrar melhor definição para a atitude do ser humano nos dias de hoje quer seja na política, ou noutra qualquer esfera de poder.
Uma Mulher sem Importância
Lord Illingworth: Hoje em dia sobrevive-se a tudo, excepto à morte, e está-se à altura de tudo excepto de uma boa reputação.
Lord Illingworth: Eu não tenciono envelhecer. A alma nasce velha mas vai rejuvenescendo. Essa é a comédia da vida. / Mrs. Allonby: E o corpo nasce jovem e vai envelhecendo. Essa é a tragédia da vida.
Lord Illingworth: A única diferença entre um santo e um pecador é que todo o santo possui um passado, e todo o pecador um futuro.
Um Marido Ideal
Lord Goring: Moda é o que nós usamos. O que está fora de moda é o que os outros usam.
Lord Goring: Amarmo-nos é o princípio de um romance para toda a vida.
A Importância de Ser-se Sério
Algeron: Mais de metade da nossa cultura depende daquilo que não devíamos ler.
Nestas breves citações é-nos apresentado um resumo daquilo que nos consome nos dias de hoje. Wilde torna-se assim o profeta das revistas de moda, do amor pelo efémero, de um egocentrismo inflamado, da decadência absoluta e de uma nova forma de moral. É possível imaginar as personagens da série “Sex & the City”, paradigmas das mulheres modernas e emancipadas, a roubarem qualquer umas destas frases à pena de Wilde. Só a ele lhe seria permitido constatar o óbvio, que afinal Carrie e as amigas não são mais que homens transvestidos, dandies num estado extremo que ele, nem nos seus Wildest dreams, conseguiria imaginar como possíveis.
Wilde escreveu mais peças: Vera ou os niilistas, A Duquesa de Pádua, Uma Tragédia Florentina e La Sainte Courtisane, esta última deixada incompleta. Para além do corpo central composto pelas peças donde foram retiradas as citações, só existe outra obra dramática da qual se pode afirmar estar imbuída do mais perfeito espírito Wildiano, “Salomé” a qual foi escrita originalmente em francês. Richard Strauss ficou tão impressionado com esta peça, quando a viu encenada em Paris, que não pode deixar de escrever uma sublime Ópera homónima baseada no texto de Wilde. Este drama, sobre uma mulher maldita, sobressai do conjunto da sua obra pelo tom mais negro que apresenta e por ter sido escrita numa linguagem quase poética.
A vida de Wilde acaba de um modo muito próximo do que ele profetizou para a morte de uma personagem inexistente na peça “The Importance of Being Earnest” :
Jack: Ele morreu no estrangeiro; de facto, em Paris. Recebi um telegrama ontem à noite do gerente do Grand Hotel.
Chasouble: E vinha especificada a causa da morte?
Jack: Um forte resfriado, ao que parece.
Jack: Ele exprimiu o desejo de ser enterrado em Paris.
Jack está a falar de um irmão inexistente, chamado Ernest, que ele decide matar, no entanto não deixa de ser premonitório que com pequenas alterações, o Hotel onde Wilde morreu não era tão faustoso como o Grand Hotel, antes pelo contrário, esta tenha sido uma profecia sobre a sua morte em Paris no ano de 1900. Pelo que se sabe ele não morreu de um resfriado, mas sim de complicações resultantes da Sífilis ou de uma infecção rara no ouvido médio. Wilde foi no entanto enterrado em Paris, primeiro no Cemitério de Bagneaux e mais tarde, em 1909, transladado para o cemitério de Père Lachaise, ao que parece o seu corpo encontrava-se incorrupto; mais um elemento para a beatificação do St. Wilde. Sob o seu corpo foi colocada uma pedra tumular, patrocinada por uma misteriosa mulher que se quis manter anónima, e desenhada por Jacob Epstein, onde hoje em dia se podem ler gravadas a lápis, caneta ou baton vermelho as mais pungentes declarações de amor dirigidas a alguém cujas peças devíamos ver mais vezes em palco. Há quem considere sacrílegas estas demonstrações de afecto mas esses são provavelmente os herdeiros morais das mesmas pessoas que o condenaram em vida e que agora o tentam erguer ao som das trompetas do Juízo Final como o mais puro dos Santos. Certeza absoluta só a de que, com ou sem juízo final, ele há-de erguer-se sempre mas como o mais puro dos dramaturgos, e de mais imortalidade ele não necessita.
A tradução apresentada é razoável mas traz para a capa do livro um dilema muito próprio de qualquer tradução. “The Importance of Being Earnest” é um jogo de palavras entre Ernest e Earnest, ambos soam ao mesmo quando ditos mas não são o mesmo quando escritos. A escolha do tradutor de não traduzir a palavra Earnest é compreensível mas dificilmente justificável porque na realidade não é um nome como assim se faz crer. Nem com recurso a uma citação de Harold Bloom se sustenta muito bem a opção do tradutor, que neste caso há-de ser sempre polémica. No entanto tirando este pormenor, que para a maioria dos leitores pode ser irrelevante, estamos perante um trabalho de tradução que faz total justiça ao teatro de Wilde.
e apeteceu-me escrever este texto.
Que Oscar Wilde (1854 – 1900) é um dos grandes escritores do final do Sec. XIX já restam poucas dúvidas e agora que nos encontramos a uma distância significativa do símbolo de mártir gay, com conversão rápida ao Catolicismo, e neste caso mártir sem gay, ainda é mais fácil sustentar essa afirmação sem o perigo de limitar a obra desse génio irlandês emigrante na vida e na morte.
Não esquecendo a sua única novela “The Picture of Dorian Gray”, e alguns poemas, o tempo também nos auxilia a perceber que é como dramaturgo que ele realiza a sua verdadeira dimensão literária, é no teatro que todo o seu “wit” se torna imortal. Numa altura em que em Inglaterra o sentido de classe era ainda muito apurado ele aponta a sua plume na direcção das classes altas para as atingir onde ele sabia que ia fazer mossa, esse era o meio social que lhe era familiar e que se ajustava perfeitamente ao retrato de decadência que ele ilustrou de modo tão brilhante. As peças de Wilde encontram-se povoadas de nobres sem dinheiro, Lords e políticos corruptos, jovens americanas ricas, Ladys, dandies e senhoras caídas em desgraça numa sociedade misógina e moralmente inflexível mas onde o dinheiro afinal é capaz de produzir milagres e mesmo apagar passados que possam ser incómodos.
Num tom mais ou menos trágico todas as peças são percorridas pelo penetrante wit de Wilde que através das suas personagens nos vai surpreendendo com frases memoráveis, autênticos aforismos, sobre nós e os outros. Achamos irresistíveis essas frases e agora, como seres tão do novo milénio, talvez tenhamos a tentação de imaginar que elas não nos são dirigidas e rimo-nos sob a protecção da máscara do tempo pensando “que temos nós agora, no sec. XXI, a ver com aqueles vitorianos?” A resposta é simples e pode ser sustentada pelas personagens de Wilde:
O Leque de Lady Widermere
Cecil Graham: O que é um cínico? / Lord Darlington: Um homem que sabe o preço de tudo e o valor de nada.
Não consigo encontrar melhor definição para a atitude do ser humano nos dias de hoje quer seja na política, ou noutra qualquer esfera de poder.
Uma Mulher sem Importância
Lord Illingworth: Hoje em dia sobrevive-se a tudo, excepto à morte, e está-se à altura de tudo excepto de uma boa reputação.
Lord Illingworth: Eu não tenciono envelhecer. A alma nasce velha mas vai rejuvenescendo. Essa é a comédia da vida. / Mrs. Allonby: E o corpo nasce jovem e vai envelhecendo. Essa é a tragédia da vida.
Lord Illingworth: A única diferença entre um santo e um pecador é que todo o santo possui um passado, e todo o pecador um futuro.
Um Marido Ideal
Lord Goring: Moda é o que nós usamos. O que está fora de moda é o que os outros usam.
Lord Goring: Amarmo-nos é o princípio de um romance para toda a vida.
A Importância de Ser-se Sério
Algeron: Mais de metade da nossa cultura depende daquilo que não devíamos ler.
Nestas breves citações é-nos apresentado um resumo daquilo que nos consome nos dias de hoje. Wilde torna-se assim o profeta das revistas de moda, do amor pelo efémero, de um egocentrismo inflamado, da decadência absoluta e de uma nova forma de moral. É possível imaginar as personagens da série “Sex & the City”, paradigmas das mulheres modernas e emancipadas, a roubarem qualquer umas destas frases à pena de Wilde. Só a ele lhe seria permitido constatar o óbvio, que afinal Carrie e as amigas não são mais que homens transvestidos, dandies num estado extremo que ele, nem nos seus Wildest dreams, conseguiria imaginar como possíveis.
Wilde escreveu mais peças: Vera ou os niilistas, A Duquesa de Pádua, Uma Tragédia Florentina e La Sainte Courtisane, esta última deixada incompleta. Para além do corpo central composto pelas peças donde foram retiradas as citações, só existe outra obra dramática da qual se pode afirmar estar imbuída do mais perfeito espírito Wildiano, “Salomé” a qual foi escrita originalmente em francês. Richard Strauss ficou tão impressionado com esta peça, quando a viu encenada em Paris, que não pode deixar de escrever uma sublime Ópera homónima baseada no texto de Wilde. Este drama, sobre uma mulher maldita, sobressai do conjunto da sua obra pelo tom mais negro que apresenta e por ter sido escrita numa linguagem quase poética.
A vida de Wilde acaba de um modo muito próximo do que ele profetizou para a morte de uma personagem inexistente na peça “The Importance of Being Earnest” :
Jack: Ele morreu no estrangeiro; de facto, em Paris. Recebi um telegrama ontem à noite do gerente do Grand Hotel.
Chasouble: E vinha especificada a causa da morte?
Jack: Um forte resfriado, ao que parece.
Jack: Ele exprimiu o desejo de ser enterrado em Paris.
Jack está a falar de um irmão inexistente, chamado Ernest, que ele decide matar, no entanto não deixa de ser premonitório que com pequenas alterações, o Hotel onde Wilde morreu não era tão faustoso como o Grand Hotel, antes pelo contrário, esta tenha sido uma profecia sobre a sua morte em Paris no ano de 1900. Pelo que se sabe ele não morreu de um resfriado, mas sim de complicações resultantes da Sífilis ou de uma infecção rara no ouvido médio. Wilde foi no entanto enterrado em Paris, primeiro no Cemitério de Bagneaux e mais tarde, em 1909, transladado para o cemitério de Père Lachaise, ao que parece o seu corpo encontrava-se incorrupto; mais um elemento para a beatificação do St. Wilde. Sob o seu corpo foi colocada uma pedra tumular, patrocinada por uma misteriosa mulher que se quis manter anónima, e desenhada por Jacob Epstein, onde hoje em dia se podem ler gravadas a lápis, caneta ou baton vermelho as mais pungentes declarações de amor dirigidas a alguém cujas peças devíamos ver mais vezes em palco. Há quem considere sacrílegas estas demonstrações de afecto mas esses são provavelmente os herdeiros morais das mesmas pessoas que o condenaram em vida e que agora o tentam erguer ao som das trompetas do Juízo Final como o mais puro dos Santos. Certeza absoluta só a de que, com ou sem juízo final, ele há-de erguer-se sempre mas como o mais puro dos dramaturgos, e de mais imortalidade ele não necessita.
A tradução apresentada é razoável mas traz para a capa do livro um dilema muito próprio de qualquer tradução. “The Importance of Being Earnest” é um jogo de palavras entre Ernest e Earnest, ambos soam ao mesmo quando ditos mas não são o mesmo quando escritos. A escolha do tradutor de não traduzir a palavra Earnest é compreensível mas dificilmente justificável porque na realidade não é um nome como assim se faz crer. Nem com recurso a uma citação de Harold Bloom se sustenta muito bem a opção do tradutor, que neste caso há-de ser sempre polémica. No entanto tirando este pormenor, que para a maioria dos leitores pode ser irrelevante, estamos perante um trabalho de tradução que faz total justiça ao teatro de Wilde.
domingo, 11 de novembro de 2007
Love it or Loathe it
Mas ninguém pode ficar indiferente ao "manufactured pop" dos talentosos Xenomania, aqui encarnados pelas Girls Aloud; na verdade a música deles podia encarnar em qualquer outra carne e trans-substânciar-se sempre em diversão pura.
Até os Franz Ferdinand vão ter a ajuda deles no seu próximo trabalho.
Shame On Me
Depois de consultar Blogues e mais Blogues chego à triste conclusão de que tenho muito que aprender. Lição de humildade que me fica tão mal, eu sei.
Quem sabe um dia vou ser assim tão grande como os blogues que por aí andam, sofisticados de conteúdo e aparência. Por enquanto deixo a perfeição para os outros, nunca me dei bem com essa tipa embora tenha passado a maior parte do tempo a persegui-la. Quando fecho os olhos vejo-a sempre de sapatos vermelhos a percorrer ruas desertas.
Chama-se Natasha e é uma loira frígida, como eu já desconfiava.
E ao que reza a estória Natasha trazia uma pistola escondida na mão direita. A posição angular do seu corpo coincidia com o turbilhão de emoções que a assaltava. Caminhava na rua que havia naufragado na noite e o piso molhado reflectia a sua sombra distorcida por poças de água iluminadas pelos escassos candeeiros posicionados milimetricamente até ao encontro com a pessoa que ela sabia estar ao fundo da avenida.
O ar estranhamente não cheirava a humidade, e era inodoro, ela julgou que ainda estava na Passerelle, que aquela rua era apenas um prolongamento do seu trabalho, até lhe parecia ouvir ainda a música de elevador que a acompanhou no último desfile.
Ao fundo já via o reflexo do brilho dos óculos dele, respirou fundo, acariciou novamente o gatilho da pistola, como se estivesse a amansar uma fera. Quando chegou ao pé dele sentiu que ele se preparava para a beijar mas ela não lhe deu qualquer hipótese, sacou da pistola e disparou, ali mesmo, a sangue frio antes mesmo de o ouvir dizer boa noite. O corpo dele caiu imediatamente e ela sentiu um calor intenso subir-lhe até às faces, agora muito ruborizadas, tão vermelhas como os sapatos que ele se atrevera a criticar quando se conheceram há uma semana.
Natasha pensou: Agora já aprendeste que não se deve criticar o que vestem as mulheres, nem comentar sobre os seus caprichos. Bem feito, é para aprenderes.
Pensou, mas não o disse porque afinal achou que já não valia a pena. Ele parecia estar mesmo morto. Descalçou os sapatos vermelhos, que fez questão de trazer mais uma vez para o derradeiro encontro, e deixou-os ali, como flores numa campa. Assim descalça, foi para casa com um sorriso nos lábios.
Sim fui morto pela perfeição. Quem se atreve a criticar a perfeição. Foda-se, que sofisticado este revólver.
Quem sabe um dia vou ser assim tão grande como os blogues que por aí andam, sofisticados de conteúdo e aparência. Por enquanto deixo a perfeição para os outros, nunca me dei bem com essa tipa embora tenha passado a maior parte do tempo a persegui-la. Quando fecho os olhos vejo-a sempre de sapatos vermelhos a percorrer ruas desertas.
Chama-se Natasha e é uma loira frígida, como eu já desconfiava.
E ao que reza a estória Natasha trazia uma pistola escondida na mão direita. A posição angular do seu corpo coincidia com o turbilhão de emoções que a assaltava. Caminhava na rua que havia naufragado na noite e o piso molhado reflectia a sua sombra distorcida por poças de água iluminadas pelos escassos candeeiros posicionados milimetricamente até ao encontro com a pessoa que ela sabia estar ao fundo da avenida.
O ar estranhamente não cheirava a humidade, e era inodoro, ela julgou que ainda estava na Passerelle, que aquela rua era apenas um prolongamento do seu trabalho, até lhe parecia ouvir ainda a música de elevador que a acompanhou no último desfile.
Ao fundo já via o reflexo do brilho dos óculos dele, respirou fundo, acariciou novamente o gatilho da pistola, como se estivesse a amansar uma fera. Quando chegou ao pé dele sentiu que ele se preparava para a beijar mas ela não lhe deu qualquer hipótese, sacou da pistola e disparou, ali mesmo, a sangue frio antes mesmo de o ouvir dizer boa noite. O corpo dele caiu imediatamente e ela sentiu um calor intenso subir-lhe até às faces, agora muito ruborizadas, tão vermelhas como os sapatos que ele se atrevera a criticar quando se conheceram há uma semana.
Natasha pensou: Agora já aprendeste que não se deve criticar o que vestem as mulheres, nem comentar sobre os seus caprichos. Bem feito, é para aprenderes.
Pensou, mas não o disse porque afinal achou que já não valia a pena. Ele parecia estar mesmo morto. Descalçou os sapatos vermelhos, que fez questão de trazer mais uma vez para o derradeiro encontro, e deixou-os ali, como flores numa campa. Assim descalça, foi para casa com um sorriso nos lábios.
Sim fui morto pela perfeição. Quem se atreve a criticar a perfeição. Foda-se, que sofisticado este revólver.
sábado, 10 de novembro de 2007
Porquoi viens-tu si tard?
Cirrosis (Not By Sarah Kane)
Há umas semanas fui ao Teatro ver uma peça premiada de um jovem autor português, “A Minha Mulher” de José Maria Vieira Mendes,
e saí de lá com a sensação de que só a juventude do autor pode atenuar tamanha desilusão. Sem dúvida que a peça se insere na tradição teatral portuguesa pois é uma farsa ao bom estilo Vincentino com personagens fantoche que não possuem qualquer profundidade psicológica. A ambição do autor é desmedida mas poucas vezes está à altura do sujeito, que neste caso parece ser o nosso país. Quer falar de tudo e acaba a falar de nada, essencialmente porque são colocadas em palco caricaturas grotescas, sem qualquer espessura dramática, que nos brindam, a maior parte do tempo, com ditos populares, ou distorção dos mesmos, pontuados com os já indispensáveis “foda-se” e “filho da puta”, sinónimo óbvio de modernidade. Se para além disso retirássemos do texto a palavra “vinho” teríamos uma peça reduzida a metade do tempo de representação, tempo suficiente para o transplante hepático ao qual todas as personagens deveriam ser sujeitas no final da peça. O espectáculo é resgatado pelos actores que fazem um trabalho exemplar e que conseguem, no intervalo das palavras, trazer à cena a carga psicológica e dramática que se espera de uma peça de teatro com a ambição gorada desta.
e saí de lá com a sensação de que só a juventude do autor pode atenuar tamanha desilusão. Sem dúvida que a peça se insere na tradição teatral portuguesa pois é uma farsa ao bom estilo Vincentino com personagens fantoche que não possuem qualquer profundidade psicológica. A ambição do autor é desmedida mas poucas vezes está à altura do sujeito, que neste caso parece ser o nosso país. Quer falar de tudo e acaba a falar de nada, essencialmente porque são colocadas em palco caricaturas grotescas, sem qualquer espessura dramática, que nos brindam, a maior parte do tempo, com ditos populares, ou distorção dos mesmos, pontuados com os já indispensáveis “foda-se” e “filho da puta”, sinónimo óbvio de modernidade. Se para além disso retirássemos do texto a palavra “vinho” teríamos uma peça reduzida a metade do tempo de representação, tempo suficiente para o transplante hepático ao qual todas as personagens deveriam ser sujeitas no final da peça. O espectáculo é resgatado pelos actores que fazem um trabalho exemplar e que conseguem, no intervalo das palavras, trazer à cena a carga psicológica e dramática que se espera de uma peça de teatro com a ambição gorada desta.
In Reading
Comecei agora a ler o último do Philip Roth, Exit Ghost, ao que parece a última aventura de Zuckerman o tal que alguns dizem ser o alter-ego do escritor e também ele um escritor. Eu no caso de Roth sempre tive dificuldade em lhe apontar um alter-ego porque me parece que todos os livros o reflectem descarada e assumidamente. Esse facto em nada desvirtua a sua escrita e pouco ou nada ficamos a saber sobre a verdadeira identidade do escritor real. Para além da escrita, que nos dias que correm tem poucos rivais à altura, o facto de depois de tantos livros lidos ficarmos ainda às aranhas sobre quem os escreveu mesmo depois de, aparentemente, ele se ter despido até ao tutano e página a página durante centenas de páginas, é sem dúvida, se muito mais não fosse, uma grande lição sobre uma aproximação possível à misteriosa condição da natureza humana. (Isto no fim está-me a soar a lugar comum...bom que seja, é comum e está no lugar e por isso também pode ser meu).
A atmosfera deste livro é pós – apocalíptica, Nova York depois do 11 de Setembro, e tem início numa espécie de ground zero da personagem principal. Até agora tem sido um Roth sem surpresas, mas também não é isso que procuro nos seus livros; no entanto já contraí uma dívida para com o “Fantasma de Saída” o facto de me ter posto a ouvir, mais uma vez, "Four Last Songs" pelo Richard Strauss, mais precisamente a última das quatro (Im Abendrort); tenho sido assombrado por essa canção, em looping, a inundar a minha casa, claro através voz da magnífica Beta Schwarzie, que os deuses me perdoem a intimidade.
Vou acabá-lo, mas devagar, talvez volte a falar dele. Ou talvez o deixe fechar a porta em silêncio.
A atmosfera deste livro é pós – apocalíptica, Nova York depois do 11 de Setembro, e tem início numa espécie de ground zero da personagem principal. Até agora tem sido um Roth sem surpresas, mas também não é isso que procuro nos seus livros; no entanto já contraí uma dívida para com o “Fantasma de Saída” o facto de me ter posto a ouvir, mais uma vez, "Four Last Songs" pelo Richard Strauss, mais precisamente a última das quatro (Im Abendrort); tenho sido assombrado por essa canção, em looping, a inundar a minha casa, claro através voz da magnífica Beta Schwarzie, que os deuses me perdoem a intimidade.
Vou acabá-lo, mas devagar, talvez volte a falar dele. Ou talvez o deixe fechar a porta em silêncio.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Another Kind of Diva
Na passada terça-feira fui revisitar outra cidade, desta vez humana, o Rufus Wainwright, e, como sempre tem acontecido, saí de lá convertido ao sublime da música e voz de alguém que podendo não ser o Mozart ou o Mendelssohn dos tempos modernos, como ele jocosamente sugeriu, não pode escapar à marca da palavra génio por ser alguém verdadeiramente original e único. Talvez por isso mesmo também provoque paixões e ódios viscerais. Sobre o concerto só me podem sair palavras de elogio sempre frouxas para dizer o que realmente foi o espectáculo. Houve de tudo desde os momentos de extrovertida comunhão geral a outros mais íntimos em que nos sentámos ao piano com ele a mastigar palavra a palavra, sentindo junto à pele o fantasma agridoce que assombra as letras que sustentam estas canções inesquecíveis. Ainda houve tempo para uma pequena homenagem a Judy Garland com um piscar de olhos ao comércio natalício, altura em que há-de ser lançado um dvd e cd com o espectáculo de homenagem que Rufus fez a esta Diva, também gay, não porque o fosse mas porque canta o hino da nação gay, “Somewhere Over The Rainbow”, que Rufus interpretou com a mãe Kate ao piano.
No final também houve uma espécie de homenagem à filha da mãe, Lisa Minelli, quando ele nos presenteou com umas canções ao melhor estilo de Cabaret, descobrindo-se vestido também a rigor como uma showgirl, dançando uma coreografia num playback da sua própria voz, acompanhado pelos músicos agora libertos dos instrumentos e presos ao magnetismo sinuoso de Rufus-Minelli-Marilyn, coreografia assumidamente exagerada e de pura diversão. Mas até aí se podiam ver sombras, a alegria gay tem destas coisas, nunca é pura e sempre contaminada por linhas negras que se alimentam da luz. Desconfio que ele há-de voltar sempre à nossa cidade, que diz ser a mais bonita da Europa, à procura do espírito musical que possuiu Callas durante a famosa “Lisbon Traviata” gravada faz para o ano exactamente meio século. Que essa busca nunca pare e que ele volte sempre.
No final também houve uma espécie de homenagem à filha da mãe, Lisa Minelli, quando ele nos presenteou com umas canções ao melhor estilo de Cabaret, descobrindo-se vestido também a rigor como uma showgirl, dançando uma coreografia num playback da sua própria voz, acompanhado pelos músicos agora libertos dos instrumentos e presos ao magnetismo sinuoso de Rufus-Minelli-Marilyn, coreografia assumidamente exagerada e de pura diversão. Mas até aí se podiam ver sombras, a alegria gay tem destas coisas, nunca é pura e sempre contaminada por linhas negras que se alimentam da luz. Desconfio que ele há-de voltar sempre à nossa cidade, que diz ser a mais bonita da Europa, à procura do espírito musical que possuiu Callas durante a famosa “Lisbon Traviata” gravada faz para o ano exactamente meio século. Que essa busca nunca pare e que ele volte sempre.
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
Fast Traveler in Slow Movements
Tenho estado a recuperar de uma curta viagem a Barcelona cidade que não revisitava há 10 anos e não gostei do sentido em que ela tem vindo a crescer. Não porque tenha ficado descaracterizada, nem que tenham derrubado alguma das pérolas arquitectónicas que parecem ter criado raízes na memória da cidade e que mais do que no passado se projectam no futuro porque hão-de ser sempre mais modernas do que qualquer presente.
Isso está lá tudo mas o que é novo é o turismo em massa, passear nas Ramblas deixou de ser um passeio e passou a ser um difícil navegar contra-corrente sob o olhar atento dos ávidos carteiristas e das estátuas-homem (ou mulher) gastas de ideias e originalidade.
Havia filas intermináveis, museus e casas-museu e autocarros turísticos, ouvia-se falar todas as línguas latinas e algumas eslavas mas catalão pouco e eu lá me esforcei por imaginar a cidade que Mercè Rodoreda descrevia no seu romance “A Praça do Diamante” e apesar de saber que essa cidade ainda pulsa por debaixo da máscara desta, vislumbrei pouco das verdadeiras linhas de rosto da cidade. Tudo porque agora partem aviões de todo o lado a preços pequenos e ninguém resiste ao convite de estar mais além para depois se esquecerem porque querem estar onde não estão, apressando-se em fazer coisas que só os afastam da cidade que visitam. Todos queremos regressar a casa com a pontuação máxima e responder ao inquérito insípido dos nossos amigos com o maior número de locais visitados, locais reconhecíveis por todos. E assim enganamo-nos mutuamente com a ideia de que ficámos a conhecer uma cidade. Eu só vivi a cidade quando abrandei o ritmo e a percorri fazendo por a deixar pulsar dentro de mim, ao ritmo improvisado de não ter objectivo definido, e assim me reencontrar com locais que não aparecem em nenhum guia mas que são para mim a verdadeira cidade.
Quero lá regressar muitas vezes, e sempre que possível, mas agora será para viver momentos só nossos, meus e da cidade, como quando me cruzei com o grande, literalmente e não só, baixo-barítono Willard White
à porta do Liceu sabendo que ia haver uma récita da ópera “O Castelo do Barba Azul” do Bartók em que ele iria ser senhor homónimo dessa obra prima, e eu vê-lo ali na rua, mesmo antes de ele entrar em cena, de barba se bem que ainda alva mas quase azul; outro momento aconteceu quando ia tomar o pequeno almoço a um café de bairro onde ao fim de um par de dias se começa a reconhecer e somos reconhecidos pelas empregadas e os outros clientes que na sua maioria liam o “El Periódico”, pena não haver o hábito de ler em voz alta para poder ouvir o catalão assim à solta no seu ambiente natural. Esta é a cidade à qual quero regressar.
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