quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A Post Christmas Tale

Hoje só lhe apetecia arrumar carros amarelos, queria fazer um canteiro como aquele que deixara na varanda da sua querida Luísa, há dez anos atrás, antes de ela decidir lançar o seu corpo sobre as rosas, fazendo-se pairar alguns segundos sobre elas para depois se deixar cair no alcatrão a sete metros de altura.
Mas os carros que lhe apareciam eram todos brancos, vermelhos, azuis, verdes, cinza e com eles imaginou outros jardins e canteiros, mas não era esses que queria reproduzir. Lá vinha mais um carro branco e pensou logo em malmequeres, jarros, rosas brancas, mas nem se deu ao trabalho de fazer o gesto mecânico de indicar um lugar vago, auxiliado pela folha de jornal dobrada em quatro.
Ah! Lá vem um carro amarelo – disse para si em voz alta – é agora que vou dar início à construção do meu jardim. Fez o gesto indicando o lugar vago, lugar do seu canteiro de rosas amarelas e para seu espanto o condutor ignorou-o e decidiu arrumar o carro noutro espaço mais à frente. Ficou furioso, deitou a folha de jornal ao chão e dirigindo-se de imediato para onde o carro amarelo havia arrumado. Ao chegar junto à porta do condutor julgou reconhecer a cara por detrás do vidro do carro, calou todos os impropérios que tinha guardado desde a separação da sua folha de jornal, abriu muito os olhos e disse:
- Joana, és tu?
Era a sua filha, tinha a certeza, que nunca mais vira desde a morte da Luísa; tinham passado tantos anos e afinal foi noutro canteiro que reencontrou a flor que julgava perdida.
- Minha filha, não me reconheces, não te lembras de mim?
- O Sr. deve estar enganado.
E com estas palavras selou o diálogo por ele iniciado. Ela tinha agora a mão estendida na qual segurava uma moeda de 50 cêntimos. Ele disse:
- Mas filha, sou eu!
Ela fechou a porta do carro e ao mesmo tempo deixou cair a sua carteira no chão. Ele baixou-se para a ajudar, ambos se ergueram rapidamente, ao mesmo tempo ela já com a carteira na mão. No rosto daquela que julgava ser a sua filha ele vislumbrou uma sombra de reconhecimento seguida pelo marejar súbito dos seus olhos, ela chorava e nessas lágrimas ele leu a resposta que ela não lhe queria ou podia dar. Não disse mais nada, deixou-a ir e foi imaginar outros jardins, não tão perfeitos e belos como aquele que ainda agora tinha perdido novamente. Nesse dia e a partir daquele momento todos os carros lhe pareciam flores mortas.

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