sexta-feira, 8 de maio de 2015



O terceiro livro, Offshore de Penelope Fitzgerald, foi premiado com o Booker Prize (1979) quando estes prémios ainda podiam ser olhados como gestos de apreço entre iguais e antes de se tornarem num golpe de marketing que todas as editoras querem colocar na badana do seu último, e efémero, êxito literário.
Esta edição vem com um prefácio escrito por Alan Hollinghurst, autor do excelente The Line of Beauty, e esse é um complemento que se deseja mas do qual eu só usufrui depois de terminar o livro, é prefácio e como tal julgo que correria poucos riscos mas mesmo assim não quis contaminar a minha leitura com a visão de outro.
Fitzgerald é um daqueles autores que chegam tarde ao mundo literário, começou a publicar perto dos sessenta anos de idade, e em vinte anos publicou nove romances, três biografias e múltiplos ensaios e críticas. Nem todos os génios são como Rimbaud, existem estes que se revelam tarde e conta a estória que parece que se fixam melhor na linha do tempo e que perduram melhor na memória literária. A ver vamos se é esse o caso desta escritora que para já revela possuir todos os sinais que assim o indiciam, a escrita é cristalina e as personagens que a habitam são imperfeitas como se deseja quando se quer retratar o profundamente humano. Fitzgerald buscou quase sempre inspiração na sua vida pessoal e este livro não é exceção e retrata a vida de um grupo de indivíduos que vive em barcos-casa que se encontram atracados no porto de Battersea, em Londres.  São todas personagens imperfeitas porque ainda não consumaram a transição de seres marítimos para criaturas terrestres, uns vivem na ansiedade de o fazerem outros presos ao medo do dia em que essa transição será definitiva. Por enquanto são água e olham-se no espelho imperfeito que a água lhes devolve, encontramos nesses barcos um prostituto que engata os seus clientes num pub ali por perto, um ex-oficial da Marinha e a sua mulher, uma mãe com as duas filhas menores e que espera o regresso do seu marido, um pintor de paisagens marítimas e outras personagens mais ou menos menores. Tudo se passa no início dos anos 60 e não deixa de ser impressionante o modo como Fitzgerald consegue captar esse momento que é uma espécie de terra de ninguém, pois ocorre depois de uma grande guerra e mesmo antes da revolução cultural e social dos finais dos anos da década que retrata. Essa pausa no tempo lê-se nas personagens, mas com uma mestria própria de um grande escritor Fitzgerald deixa-nos vislumbrar as fissuras que enraízam as personagens aos seus tempos reais, umas escolhem o passado outras o futuro, e dessa ténue linha nasce um equilíbrio dramático que sustenta o livro e onde é por demais evidente que todos são demasiado humanos para não falharem, mais uma vez e sempre.


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