O
terceiro livro, Offshore de Penelope
Fitzgerald, foi premiado com o Booker Prize (1979) quando estes prémios ainda
podiam ser olhados como gestos de apreço entre iguais e antes de se tornarem
num golpe de marketing que todas as editoras querem colocar na badana do seu
último, e efémero, êxito literário.
Esta
edição vem com um prefácio escrito por Alan Hollinghurst, autor do excelente The Line of Beauty, e esse é um
complemento que se deseja mas do qual eu só usufrui depois de terminar o livro,
é prefácio e como tal julgo que correria poucos riscos mas mesmo assim não quis
contaminar a minha leitura com a visão de outro.
Fitzgerald
é um daqueles autores que chegam tarde ao mundo literário, começou a publicar
perto dos sessenta anos de idade, e em vinte anos publicou nove romances, três
biografias e múltiplos ensaios e críticas. Nem todos os génios são como
Rimbaud, existem estes que se revelam tarde e conta a estória que parece que se
fixam melhor na linha do tempo e que perduram melhor na memória literária. A
ver vamos se é esse o caso desta escritora que para já revela possuir todos os
sinais que assim o indiciam, a escrita é cristalina e as personagens que a
habitam são imperfeitas como se deseja quando se quer retratar o profundamente
humano. Fitzgerald buscou quase sempre inspiração na sua vida pessoal e este
livro não é exceção e retrata a vida de um grupo de indivíduos que vive em
barcos-casa que se encontram atracados no porto de Battersea, em Londres. São todas personagens imperfeitas porque
ainda não consumaram a transição de seres marítimos para criaturas terrestres,
uns vivem na ansiedade de o fazerem outros presos ao medo do dia em que essa
transição será definitiva. Por enquanto são água e olham-se no espelho
imperfeito que a água lhes devolve, encontramos nesses barcos um prostituto que
engata os seus clientes num pub ali por perto, um ex-oficial da Marinha e a sua
mulher, uma mãe com as duas filhas menores e que espera o regresso do seu
marido, um pintor de paisagens marítimas e outras personagens mais ou menos
menores. Tudo se passa no início dos anos 60 e não deixa de ser impressionante
o modo como Fitzgerald consegue captar esse momento que é uma espécie de terra
de ninguém, pois ocorre depois de uma grande guerra e mesmo antes da revolução cultural
e social dos finais dos anos da década que retrata. Essa pausa no tempo lê-se
nas personagens, mas com uma mestria própria de um grande escritor Fitzgerald
deixa-nos vislumbrar as fissuras que enraízam as personagens aos seus tempos
reais, umas escolhem o passado outras o futuro, e dessa ténue linha nasce um
equilíbrio dramático que sustenta o livro e onde é por demais evidente que
todos são demasiado humanos para não falharem, mais uma vez e sempre.
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