Fuckylorí
Quem sabe se à semelhança do fado a revista não será
novamente um local onde se vão descobrir novos talentos a cada pontapé na
calçada. Tem todos os ingredientes para que assim seja: floresceu à luz do
antigo regime, pode ser muita parra e pouca uva, é o meio ideal para catapultar
grandes artistas de duração muito limitada, como já acontece com o fado, e até
se parece com as redes sociais lançando piadas inconsequentes, sobre assuntos
mais ou menos sérios, que nos deixam a pensar que devemos ser pessoas muito
modernas porque temos a capacidade de nos rirmos da nossa, quase sempre, triste
condição de ser português e de sermos governados pelos piores de entre os
portugueses. Depois perdemos a memória do ridículo, assobiamos para o lado e
continuamos a aceitar que tudo seja possível, da revista ficará a memória de um
serão bem passado cujos quadros afinal não passam de uma hipérbole da realidade,
que no fundo não é assim tão má.
Nunca se pode saber o que vai acontecer com este centenário
género teatral mas infelizmente o meu pessimismo não me permite acreditar que a
Revista possa vir a ser o novo Fado, quanto mais não seja por razões logísticas
pois implica grande um investimento monetário e intelectual que poucos se
atreveram a tentar materializar, nesta época de vacas magras. No entanto,
poderia argumentar que essas seriam precisamente as verdadeiras razões que
poderiam fazer ressuscitar a Revista, claro que não seria aquela que habitou o
Parque Mayer mas uma descendente de aparência mais pobre mas com todo o
potencial de ser uma rica farpa no nossa sociedade zombie, como é sugerido no
espetáculo “Tropa-Fandanga” pelo Teatro Praga e que está em cena até ao
próximo dia 16 de Março no Teatro Nacional Dona Maria II.
Esta revista, ou espetáculo homenagem à revista, é obviamente
muito pós-Moderna povoada de muita autocritica, autoflagelação, autocomiseração
e um quadro a condizer no qual os autores tentam explicar o porquê do seu
ressurgimento rogando encarecidamente à Sô Dona Revista que os abençoe. Este
não será o quadro mais bem conseguido mas outros há que justificam uma visita ao
Dona Maria II. A joia da coroa é, sem dúvida, o quadro em que nos é apresentada
uma Fátima de pedestal e os seus três pastorinhos, e onde se sugere a conquista
do mundo por via de um “Fucklorí” musical em vários géneros e línguas. Afinal o
tema principal desta Revista é a guerra e um conjunto de soldados, a tropa
fandanga, que tenta reconquistar a portugalidade, revisitando, a nossa história
e aquilo que nos fomos tornando ao longo dos tempos, e que tanto aparece caricaturado
no jovem casal que frequenta o centro comercial ao fim de semana, como no
escritor revelação dos tempos modernos ou nas tias frívolas das malas Chanel.
Tudo alvos fáceis, como se espera da Revista, mas notam-se ausências de peso,
que surgem(?) de modo tão velado que é como se lá não estivessem, a saber: o
primeiro ministro, o presidente da república, o Sr. Relvas ou a Dr.ª Dona
Cavaca. Aparece um Sócrates que sendo o original remete-nos para o dos nossos
tempo. Mas o Sócrates de Paris está tão batido que já nem este infeliz Governo
o usa como desculpa, ou piada, sobre os males da nação, como tal talvez já não
devesse contar, ou a contar teria que estar acompanhado, por exemplo, por
alguém da estatura irrevogável do Almirante ou Vice-Rei Paulo Portas. Outra
ausência de peso de uma Revista que começou por se anunciar como uma revisão dos tempos, do último ano que passou,
mas também dos tempos que se misturam todos uns com os outros (o cínico que há
em mim pensou: que conveniente...), é a ausência de Joana Vasconcelos que por
momentos eu ainda pensei que era a personagem que encarna em palco a figura da
Revista, mas depressa percebi que a única semelhança entre as duas era mesmo só
a indumentária. Bom estas são as ausências que eu notei, outras haveria, mas
estas deixaram-me a pensar sobre o que é preciso fazer para vender uma Revista
a um teatro Nacional do estado. Resultou neste caso e são umas horas divertidas
mas depois apagam-se as luzes, fechamos os olhos e somos confrontados com as
ausências e tentamos perceber o porquê dessas ausências e depois percebe-se que
estivemos afinal a assistir a uma instalação do medo e que se calhar era esse o
objetivo dos criadores deste espetáculo, ok aqui detecto alguma ironia da minha
parte. Há um momento sério nesta revista, a repetição do discurso da atriz
Joana Manuel sobre o que é ser jovem em Portugal, mas não resulta porque é
demasiado assimétrico em relação ao resto do espetáculo, é forçado e parece
querer justificar qualquer coisa, talvez a ausência, da essência intelectual,
desse discurso no resto da revista?
Pelo meio temos uma excelente homenagem à “guerra” do Raul
Solnado, feita pelo José Raposo, tal como só um grande ator a pode fazer, bem
feita mas sem nos apagar da memória a prestação original.
Como toda a revista que se preze temos números musicais onde
se pressente uma grande cumplicidade entre os músicos e os atores e só por isso
já vale pena lá estar para os ouvir. Não há coreografias de plumas, escadarias
e coristas de longas pernas mas há um conjunto de cenas de grupo que tentam
replicar aquilo que seria essas tais coreografias, de um modo assumidamente
desajeitado e surrealista, mas que resulta na perfeição.
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