quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Começar de novo





Existem escritores que passam uma vida inteira a tentar ocultar quem os inspirou, diluindo na escrita essas múltiplas inspirações para que se possam transformar na voz única que é uma marca reconhecível do genuíno autor literário. Nos livros de Ana Teresa Pereira acontece precisamente o contrário, ela transforma todas as suas referências em recortes bem definidos, nomeia-os e exorciza a sua influência deixando-os espreitar as suas palavras e textos, e desse modo conta-nos uma estória ou, suspeito eu, o fragmento da mesma estória, repetida até ao infinito. Uma estória que é dela mas que a autora vê projetada nas múltiplas referências cinéfilas, que vão desde o Noir a Hitchcock, de George Cukor a Tarkovski ou Billy Wilder, nas referências literárias saturadas da poesia e anjos de Rilke e das personagens de Henry James, mas também do teatro de Ibsen ou Tchekov, dos quadros de Rothko ou Turner, da paisagem urbana de Londres ou da mais inóspita e selvagem associada ao Paul do Mar, também surgem referências a contos policiais e nesta atmosfera de ambientes tão contrastantes nasce a voz de alguém muito original, de uma escrita que estando saturada dos outros acaba por se revelar original e única. De um só fôlego evoca um fogo literário que assume a sua perenidade mas que cumpre sempre uma mais ambiciosa função, a de materializar na mente do leitor emoções e sensações que são tudo menos perenes, e que se fixam em nós como se fixaram na sensibilidade literária da escritora. De um sopro surge aquilo que nos lança para a misteriosa dimensão da comunicação direta de emoções e pensamentos por via da palavra impressa na página de um livro, coisa rara e de génio.
  


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