Existem escritores que passam uma vida inteira a tentar
ocultar quem os inspirou, diluindo na escrita essas múltiplas inspirações para
que se possam transformar na voz única que é uma marca reconhecível do genuíno
autor literário. Nos livros de Ana Teresa Pereira acontece precisamente o
contrário, ela transforma todas as suas referências em recortes bem definidos,
nomeia-os e exorciza a sua influência deixando-os espreitar as suas palavras e
textos, e desse modo conta-nos uma estória ou, suspeito eu, o fragmento da
mesma estória, repetida até ao infinito. Uma estória que é dela mas que a
autora vê projetada nas múltiplas referências cinéfilas, que vão desde o Noir a
Hitchcock, de George Cukor a Tarkovski ou Billy Wilder, nas referências
literárias saturadas da poesia e anjos de Rilke e das personagens de Henry
James, mas também do teatro de Ibsen ou Tchekov, dos quadros de Rothko ou
Turner, da paisagem urbana de Londres ou da mais inóspita e selvagem associada
ao Paul do Mar, também surgem referências a contos policiais e nesta atmosfera
de ambientes tão contrastantes nasce a voz de alguém muito original, de uma
escrita que estando saturada dos outros acaba por se revelar original e única.
De um só fôlego evoca um fogo literário que assume a sua perenidade mas que
cumpre sempre uma mais ambiciosa função, a de materializar na mente do leitor
emoções e sensações que são tudo menos perenes, e que se fixam em nós como se
fixaram na sensibilidade literária da escritora. De um sopro surge aquilo que
nos lança para a misteriosa dimensão da comunicação direta de emoções e
pensamentos por via da palavra impressa na página de um livro, coisa rara e de
génio.
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário