quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Turismo Infinito


Viajar no universo Pessoano não exige vistos, carimbos de fronteira ou vacinação prévia contra doenças exóticas e também não é necessário qualquer mapa, ou para sermos mais modernos um GPS, até porque a geografia interior deste poeta é mesmo infinita e o mais certo seria perdermo-nos durante essa viagem. A entrada nesse peculiar mundo literário pode ser involuntária mas nunca é feita sem a companhia, múltipla, dos heterónimos e homónimo do maior poeta europeu do século XX. Esta adaptação teatral dos textos de Pessoa poderia cair na tentação de se deixar confundir com um recital de poesia, mas tal nunca acontece porque para além da poesia os actores, que encarnam as múltiplas facetas do poeta, conseguem criar de um modo eficiente a ilusão da tridimensionalidade dos heterónimos e do próprio Pessoa. Num cenário minimalista, negro e inócuo recria-se aquilo que poderá ser um escritório, mas um escritório de onde é possível às personagens viajar, metaforicamente sentados, em confortáveis assentos de um qualquer, metafísico, transporte público.
Em relação à trindade heterónima, que escreve poesia, temos em palco o futurista Álvaro de Campos e o mestre bucólico Alberto Caeiro, de fora ficou o heterónimo neo-pagão, Ricardo Reis, mas no seu lugar ficamos com duas originais criações Pessoanas, embora uma delas seja real, podem ambas não ter passado de recriações nascentes da necessidade de viver o amor como se espera do poeta “fingidor”, uma Ofélia Queirós, mulher de carne e osso mas também fruto da imaginação e recriação do poeta e outra, talvez o duplo feminino de Pessoa, a marrequinha Maria José.
Neste caso o turismo é infinito porque as abordagens aos textos de Pessoa também podem ser infinitas, esta peça apresenta-nos uma das trajectórias possíveis, se se preferir uma das leituras possíveis, mas não deixa de ser interessante constatar que de modo algum é sequer insinuado que possa ser a leitura definitiva, e é precisamente por isso que a dramatização destes textos ganha força. É um pequeno rasgão nas paredes do universo do poeta através do qual nos é permitido espreitar uma fracção do seu tempo infinito.

Esta peça, encenada por Ricardo Pais, esteve em cena no Teatro Nacional Dona Maria II e agora encontra-se em digressão pelo País.

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