segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Pink Lady in the Blue


Da luta contra o preconceito pode surgir por vezes uma agradável surpresa, não há garantia de isso acontecer sempre mas no caso desta peça tenho que admitir que o medo inicial era sem fundamento, pelo menos em relação a alguns elementos que foram responsáveis pelo surgimento da mesma. Eu não acreditava que a peça valesse a pena, a começar pela dificuldade do tema abordado, doença terminal de uma criança, Óscar, e a consequente tentação de se resvalar para a lágrima fácil. Felizmente a peça não explora esse filão, pelo menos de um modo óbvio, mas cai noutro tipo de erro, nomeadamente a facilidade com que resolve o problema da morte através do uso comum de deus e do consolo da sua presença. Não é que esse consolo não seja legítimo, mas é redutor e deixa de fora muitos espectadores, que não podendo recorrer a esse consolo, ficam sem alternativas para o mistério da morte. A dor no ser humano quase nunca é uma reprodução das provações de Cristo na cruz (ou fora dela), e não o será nunca quando estamos a falar de uma criança que apesar de muito doente ainda possui o conforto, possível, do humano e da medicina. A peça é construída a partir de uma série de cartas escritas pelo menino e dirigidas a deus. O tom oscila entre o infantil e o patético e, mesmo salvaguardando que o infantil até pode ser patético, neste caso as cartas parecem ter sido escritas por um adulto com problemas cognitivos e não por uma criança. Essa subtil diferença fere a peça de morte e deixa-nos a olhar para o vazio, que até podia ser a ausência de deus perante o sofrimento humano, mas que não passa do vazio de ideias do autor, Eric-Emmanuel Schmitt.
No entanto há que ser justo e realçar a honestidade com que a actriz, Lídia Franco, trabalha o texto fazendo um trabalho exemplar, isto com o auxílio precioso da encenadora, a americana Marcia Haufrecht. Para além das falhas inerentes ao texto o espectáculo é uma agradável surpresa por isso mesmo, porque estamos perante uma honesta peça de teatro e se o texto é medíocre a culpa não pode ser imputada à actriz, mesmo que ela o tenha co-traduzido e escolhido.


Óscar e a senhora cor-de-rosa de Eric-Emmanuel Schmitt encontra-se em cena no Teatro Nacional Dona Maria II até ao dia 30 de Março de 2008.

Sem comentários: