domingo, 11 de outubro de 2015

Clássicos Gregos Para Totós




Fiz questão de assistir à trilogia inspirada no teatro grego clássico e que deu início à nova temporada do D. Maria II. Já escrevi sobre a primeira das peças adaptadas por Tiago Rodrigues, Ifigénia, faltam ainda as outras duas, Agamémnon e Eléctra. O que sobrou dos textos dos autores dos clássicos originais é um espectro desses cânones literários, mas apesar de ser um flébil espectro não perde a capacidade de nos assombrar o presente. O encenador, e agora também director do Teatro Nacional, assume a imperfeição das suas adaptações mas nessa imperfeição não podemos deixar de perceber um movimento que pode ser muito útil à sobrevivência do teatro tal como o conhecemos. As adaptações, alimentadas pela urgência do tempo, não deixam de ser veículos muito eficazes de transporte da mensagem original dos textos que as inspiraram. Eurípedes, Sófocles e Ésquilo são os autores gregos das peças originais e ao longo dos tempos foram lidos, representados e adaptados pelas mais variadas gerações e épocas. Podemos ver essas peças subir ao palco vestindo as palavras originais, quem sabe se no grego antigo, ou assim com se viu no palco do D. Maria II. Ambas as apostas são arriscadas, ambas podem falhar, mas ninguém pode acusar os atores, que se empenharam em as trazer de volta de, pelo menos, não terem tentado.

Pessoalmente gostei do risco assumido por Tiago Rodrigues, acho que as histórias que habitam estas peças devem ser conhecidas do grande público, que os nomes destas personagem devem ecoar nos palcos dos nossos teatros, que as pessoas devem saber que Electra, antes de ser uma personagem da Marvel, já foi uma mulher que habitou a Grécia antiga e que deixou marca na memória poética dos homens.


As peças são-nos apresentadas segundo uma lógica cronológica e têm em comum o facto de serem todas tragédias. Sobre Ifigénia já escrevi e deixámo-la no altar do sacrifico como moeda de troca por ventos favoráveis às embarcações helénicas que foram à conquista de Tróia e do resgate da bela Helena. Agamémnon fala do regresso desse herói da guerra de Tróia, de uma mãe que se quer vingar da morte da filha e de um amante ambicioso que conspira para alimentar o desejo de vingança de uma mãe que nunca deixou Aulis, tendo ficado presa à memória do sacrifício da sua filha e que por isso nunca conseguiu perdoar o marido, Agamémnon.


A liberdade dramaturgica que o encenador deu aos atores é visível e o trabalho de bastidores que envolveu a leitura do texto e a sua interpretação manifesta-se, tanto nos bons como nos maus momentos. Este trabalho deveria ser aproveitado para, com os mesmos atores, colocarem em cena os textos originais. Seria como observar a construção de um belo edifício a partir das suas fundações até à sua estrutura final e julgo que todos nós sairíamos a ganhar com essa aposta.

Tiago Rodrigues poderia ter sido ainda mais ousado e num derradeiro passo, que iria com toda a certeza irritar os que se acham detentores das produções de teatro clássico em Portugal e arredores, dar outro nome às peças ou talvez um sub-titulo em virtude da personagem que acabou por se destacar mais na adaptação da peça. No caso de Agamémnon é sem duvida Cassandra quem rouba todas as cenas, não só porque Isabel Abreu desempenha um papel magnífico, mas também porque se percebe que é naquela voz, que nos fala de um futuro no qual ninguém acredita, que se centra todo o drama das outras personagens. O mesmo acontece com Eléctra que na realidade se deveria chamar Orestes porque Miguel Borges consegue suplantar a interpretação de Flávia Gusmão (Eléctra) que nos apresenta uma caricatura de Eléctra muitas vezes superficial e a roçar o mau gosto teatral. Há momentos em que parece que a actriz fez uma associação básica entre Eléctra e guitarra eléctrica, e não estou a brincar porque existem sérias evidências desse facto. Eléctra conta-nos a terceira parte da história na qual a filha de vinga da morte do pai conspirando com o irmão, Orestes, para matar a mãe, Clitemnestra.


No seu conjunto foram três horas e meia bem passadas, imperfeitas, mas que naquilo que é essencial cumpriram o seu objetivo. Acredito que muitas das pessoas que lá estavam ficaram curiosas sobre aquelas personagens e com vontade de saber mais sobre elas, quem sabe até lerem os textos originais. Por essa razão, e para cumprir a sua missão de teatro nacional, talvez fosse útil encenar estas peças na sua versão original, tenho a certeza que quem foi ver estas versões truncadas iria com toda a certeza arriscar na leitura mais canónica destes dramas, conquistando-se assim público para uma arte que não se quer moribunda e que se deseja viva e de boa saúde.

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