sábado, 12 de setembro de 2015



Ifigénia em Áulis, ΙΦΙΓΕΝΕΙΑ Η ΕΝ ΑΥΛΙΔΙ, está identificada como a última tragédia de Eurípedes tendo sido estreada no ano de 450 a. C. e julga-se que apresentada já depois da morte de Eurípedes, encenada já não pelo dramaturgo grego mas pelo seu sobrinho.
No meu caso a primeira vez que ouvi falar nesta tragédia foi através da ópera homónima de Gluck, estreada em França no ano de 1774, inspirada numa peça dramática de Racine, tendo sido esta última suportada na obra original de Eurípedes. Na altura fui logo alertado que o final da ópera era feliz ao contrário do que acontece na apresentação do drama original. O público do século XVIII não queria ir à ópera para ver finais infelizes e por isso Gluck satisfez essa vontade contribuindo para umas voltas extra nos túmulos de Racine e Eurípedes. No caso da ópera, Ifigénia acaba por ser salva pela deusa Diana e casa com Aquiles, no drama de Eurípedes acaba degolada e sacrificada no altar que não do casamento. Num dos finais, possíveis, da peça de Eurípedes também surge a possibilidade de Ifigénia ser salva por Diana, não para que esta despose Aquiles, mas para a tornar sacerdotisa em Taurina onde, segundo algumas fontes, se irá reencontrar com o seu irmão Orestes. Mais uma vez Gluck musica este drama, Iphiegénie en Tauride, que pouco tempo depois será reescrito pela pena de Goethe. 
Ifigénia em Áulis, apresenta-nos uma história que em linhas gerais é simples mas de consequências profundas e dramáticas. Em Áulis espera-se por ventos auspiciosos que permitam levar os exércitos até Troia para resgatar a bela Helena, esposa de Menelau, que foi raptada por Páris. Agamémnon, irmão de Menelau e Rei de Argos, é quem convoca os exércitos para levar a cabo tão ambiciosa empresa, vem tudo descrito na Ilíada de Homero, mas neste drama teatral foca-se nesse momento em que surge um impasse alimentado pela natureza, a ausência de ventos, cuja consequência é os exércitos ficarem semanas à espera de uma guerra que tarda até que a situação se torna insuportável. Consulta-se então um oráculo que exige o maior dos sacrifícios em troca dos desejados ventos, Agamémnon deverá sacrificar aos deuses a sua filha, Ifigénia, para que os ventos regressem à baia Áulis, para que os Gregos possam embarcar e consumar aquela que veio a ser conhecida como a guerra de Troia. O drama centra-se então na escolha de um homem que se encontra dividido entre o seu dever de rei e o de pai. Claro que extravasa para além disso, e deixa expostas todo o tipo de ambições e desejos de quem rodeia a família real, e vamos poder ver em cena desde os mais nobres sentimentos, Aquiles, até aos mais vis e egoístas, Menelau, a dor de uma mãe, Clitemnestra, e todo um espectro de emoções ao qual ninguém poderá ficar indiferente.
Tiago Rodrigues decide arriscar e fazer uma leitura pessoal sobre esta tragédia grega respeitando o drama na sua essência, transporta-a até nós, espetadores sentados confortavelmente no século XXI, a muitos anos de distância de uma história que achamos que não nos diz respeito, e desse modo apanha-nos desprevenidos e quando menos esperamos percebemos quão universal é este drama e quão próximo da nossa história atual ele se encontra.
É  uma visão de profundo respeito e entendimento sobre o que é o teatro e de como ele pode ser vivido neste nosso presente. A adaptação consegue resgatar aquilo que é essencial neste drama de Eurípedes e trazê-lo para perto de nós, fazê-lo sentar-se ao nosso lado e perceber que este drama grego poderá não estar tão longe da Grécia que vemos agora nas notícias, que os dilemas humanos vividos podem não ser os nossos mas ecoam emoções cuja ressonância não nos deixa indiferentes. Esta adaptação/visão de Tiago Rodrigues consegue isso tudo graças também a um conjunto de atores muito equilibrado, com destaque para a Clitemnestra da Isabel Abreu. A exceção terá sido alguns elementos do coro, que inundaram as palavras de gestos demasiado intrusivos, desequilibrando um pouco o espetáculo.  

É a primeira temporada em que esta equipa se encontra à frente do Teatro Nacional D. Maria II e não posso deixar de achar auspicioso o modo como a iniciam demonstrando um conhecimento e amor pelo teatro que só pode contribuir para uma reaproximação do público por esta arte tão importante para o tecido cultural da nossa sociedade. Estamos perante uma visão global, inteligente, emocional e que não tem medo de correr riscos contribuindo assim para um teatro vivo, não o deixando esquecido e de salas vazias como tem acontecido nos últimos anos. Ontem a sala estava cheia e espero que assim continue por muitos anos e que este seja o prenúncio de uma longa e próspera relação entre nós e o novo Teatro Dona Maria II



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