Afinal a Iris Murdoch não é a Dame Judi Dench e podia ficar
por aqui, mas não é possível, pois cada vez são mais raras as descobertas de
grandes escritores ou porque eles ainda não existem em papel ou porque os que
existem, e aparecem nas bancas das livrarias que monopolizam o mercado, valem
muito pouco e não passam de ruído literário que nunca será música, apenas uma
cacofonia incómoda, irritante e reveladora da mais absoluta falta de talento.
Deve haver exceções, mas a regra por enquanto é esta.
Também não é bom quando na nossa memória a primeira imagem
que nos surge quando pensamos numa escritora é a da atriz que a representou no
cinema, isto aconteceu-me durante anos com a Iris Murdoch, cuja existência eu
desconhecia antes do filme que para cúmulo nunca vi, e a qual sempre associei à
Judi Dench, numa estranha ordem de associação de ideias, Dame e depois Iris.
Esta ilusão terminou nestes primeiros dias do ano quando
decidi começar a ler um livro que comprei em 2ª mão o que, pelas razões expostas
anteriormente, só poderia ter ocorrido num alfarrabista, neste caso de Lisboa.
O livro é “O Sino” e desde a primeira página nos é dado perceber que estamos
perante um enorme talento literário e desde a primeira página fiquei suspenso
desta escrita que possui uma respiração própria, profunda e densa, cujo ritmo
acompanha de modo perfeito a vida das personagens. Murdoch é exímia em tudo, na
descrição dos lugares, na leitura psicológica das personagens, na destreza da
escrita e no respeito pelo leitor que assume como um seu igual mas a quem nunca
revela o jogo todo. Neste livro, em particular, consegue fazer com que o espaço
físico ocupado pelas personagens se imiscua nos seus gestos, sentimentos e
atitudes, como um pintor que ao retratar uma paisagem conseguisse, através de
um truque visual que ainda não foi inventado,
representar o humano como mais um traço da paisagem mas sem que esse
traço fosse uma fronteira, antes pelo contrário, esse traço faz depender o
exterior do interior e vice-versa, é um traço que vai permitir que o mundo material
que envolve o humano o possua, tornando-o perniciosamente consciente dos seus limites psicológicos e
comportamentais. Tu és o espaço onde vives, és a prisão que escolheste, a do
teu corpo e do universo material que partilhas com os outros.
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