As I Enjoyed It
O Arena Ensemble vai estar até ao fim do mês no Teatro São Luiz com a peça de William Shakespeare “Como Queiram” (As You Like It) uma
comédia do dramaturgo inglês que contém um dos textos mais citados de todo o
drama isabelino:
“All the world's a stage, And all the men and
women merely players; They have their exits and their entrances, And one man in
his time plays many parts, His acts being seven ages (...)”
E sim esta é uma daquelas peças que assume na
sua estrutura o micro-teatro das nossas vidas, onde o real se transmuta em
simbólico ou os sexos se diluem e se permite que invertam papéis, tão ao gosto
da moda teatral da época, onde aliás alguns papéis femininos eram representados
por homens. Os papéis por vezes são estereotipados, mas só porque a realidade é
demasiado complexa para que a deixemos entrar na representação de uma
personagem que não sendo nós, se encontra mais próxima da nossa pele do que
aquilo que desejaríamos assumir.
Sobre o texto original já se escreveu quase tudo e muito
ainda se irá continuar a escrever porque é uma fonte inesgotável de
deslumbramento e de humor cuja fórmula não corre o perigo de se esgotar, nem
por imitação ou aproximação por parte de escritores presentes ou futuros. Sobre
o sopro de vida dado por este conjunto de atores já vale a pena falar porque é
um momento que se fixa no tempo e que não se vai repetir nunca mais, mas essa
perenidade é também a sua força porque quem está num teatro sabe isso, tanto de
um lado como do outro lado da barricada, e é essa emoção que faz do teatro ao
vivo um momento intenso a quem ninguém fica indiferente.
A encenação desta peça está a cargo de Beatriz Batarda que
dirige os atores de um modo sóbrio, e competente, que poucas vezes nos deixa
perceber as linhas invisíveis do seu trabalho, permitindo um evidente grau de
liberdade aos atores cuja qualidade do trabalho dramático é constantemente
posta à prova e na maioria dos casos superada. Só não o é no caso do Marco
Martins que faz do Duque Frederico uma personagem risível e que é responsável
por um desnível, espero que assumido, (talvez para tornar ridícula uma
personagem que é pouca amada?) muito grande entre ele e os outros atores em
palco. Depois temos o Bruno Nogueira que sendo ator está sempre a representar a
mesma personagem, seja lá qual for a peça onde entre, mas que apesar de tudo
consegue trazer uma perspectiva nova, que desconfio, seria mais pertinente fora
de palco. Talvez ainda venha a ser um grande encenador mas ator de textos
dramáticos ainda não. Não deixa de ser interessante
observar uma atriz em cena, Leonor Salgueiro, que é uma versão feminina, mas
com alguma preocupação dramática, do Bruno Nogueira.
Estes dois/três atores trazem algum desequilíbrio à peça, no
entanto tal é amplamente recompensado pelo facto de os outros serem quase todos
brilhantes, e por isso convém destacar o trabalho da Carla Maciel, de Luísa
Cruz e Sérgio Praia, tríade que só por si justificava uma ida ao teatro São
Luiz, isto pela visível paixão, e entrega, com que constroem as suas personagens e também para observar como as fazem vibrar com uma ressonância
dramática muito acima da média. No seu suporte encontramos outros atores que,
não estando tão alto, são responsáveis por um competente trabalho dramático,
que alguns dirão, ser quase tão importante como aquele que permite aos outros
alcançarem as nuvens. Nessa escala intermédia encontramos o Romeu Costa e a
Sara Carinhas. Há no entanto um ator que me deixa sempre um pouco confuso
quando o vejo em palco, o Nuno Lopes sobre quem nunca consigo decidir a
propósito da qualidade do seu trabalho, porque flutua demasiado, indo facilmente do excelente ao medíocre, por vezes no tempo que demora uma fala
inteira da sua personagem.
Mais uma vez a cenografia é insípida e neste caso a desculpa
da crise não me parece lógica, o problema aqui é mesmo a falta de imaginação.
Ripas de madeira ao alto, semiencobertas de panos branco, mais ou menos bem
esticados, sobre uma estrutura em andaime formada pelas madeiras, acrescenta
muito pouco à leitura da peça e se é para ser moderno, aviso desde já que cheira
um bocado a mofo mesmo antes de sair do papel do cenógrafo para se tornar ideia
em palco. Pobreza, ou falta de dinheiro, é uma coisa bem diferente de pobreza
de espírito ou preguiça criativa.
Outra coisa que enfraquece a peça é colocar alguns atores a
tocar instrumentos em palco, os quais ou eles aprenderam a tocar há pouco tempo
ou, pior ainda, para os quais não possuem o menor talento. De que serve colocar
alguém em palco a tocar meio acordeão ou a tocar guitarra de uma modo flácido e
sem convicção. Também não ajuda muito o facto do compositor (Pedro Moreira)
estar limitado a um número reduzido de acordes, culpa da falta de talento musical disponível, e
por essa razão algumas canções se parecerem mais com hinos de igreja cantados
ao Domingo por escuteiros que levam pouco a sério a sua fé. No entanto devo
salvaguardar que a ideia e construção da canção final é de génio e quase que
faz esquecer o desastre de todas as outras.