Jardins de Cristais - Química e Literatura
Sérgio Rodrigues
No posfácio o autor confessa: " Muitos livros e referências foram lidos de uma forma apressada, facto pelo qual peço desculpa." E nós como leitores até o poderíamos desculpar se essa leitura apressada não tivesse um tão grande peso ao longo dos vários capítulos que constituem o livro.
São vinte e dois capítulos que não passam, na maioria das vezes, da catalogação de referencias literárias extraídas de trabalhos de outros autores, quase sempre sem uma articulação eficaz e que por essa razão põem em causa a fluidez da leitura. Fazia muito bem ao autor ler os clássicos que cita, mas lê-los de uma forma profunda de modo a melhorar a densidade da sua escrita que sofre de volatilidade crónica.
Embora as razões expostas anteriormente possam tornar penosa a leitura do livro tal não me impede de congratular o autor pela tentativa de nos aproximar da Química através de uma via que considero fundamental para a sobrevivência de qualquer disciplina cientifica, isto é, sustentada numa visão complementar de outras áreas do conhecimento humano, neste caso a literatura, e se possível incluir também todas as outras. O autor lança uma ideia que nos alerta para a invisibilidade da Química num mundo onde ela se encontra presente em tudo o que nos rodeia. O autor sugere que talvez seja uma questão de marketing cientifico, numa sociedade onde os soundbits são a única coisa que se fixa na nossa memória, e quanto mais superficiais e atraentes mais eficazes. A Química poderia produzir soundbits destes a cada fracção de segundo com a única diferença de que nunca seriam superficiais porque lidam com temas que tocam o cerne daquilo que mais importa para conhecer melhor o mundo que nos rodeia.
É um livro incompleto principalmente no que diz respeito a referências literárias ligadas com o teatro. É certo que são referidos Shakespeare e Strindberg mas faltam muitas peças de teatro contemporâneas cuja importância e impacto justificariam, por si só, um capitulo à parte. A única excepção é "Oxigénio: uma peça de teatro" de Djerassi e Hoffmann que depois nem surge referenciada na bibliografia do capitulo a que diz respeito. Talvez porque o autor não a tenha lido.
Eu desejava que este livro fosse mais maduro, que reflectisse um tipo de cultura cientifico-literária que tem poucos seguidores em Portugal. Na atualidade estou a lembrar-me de Jorge Calado, mas a estagnação é evidente e este livro só poderia sofrer desse mal.
No entanto, e apesar das suas fragilidades, é bem-vindo e deveria servir de exemplo para outros escrevem sobre este tema, em Química, e já agora também noutras áreas cientificas. Todos ficaríamos a ganhar e os tais soundbits, de que a ciência tanto necessita, sairiam reforçados e com um poder ampliado.
Nota: As capas dos livros de divulgação científica sofrem, na sua maioria, de falta de criatividade e originalidade e esta é mais uma vez exemplo disso.