Depois da era do politicamente correcto, que se gastou tão depressa como qualquer outra ideia de marketing político, chegou a altura de tentar deixar passar conceitos que ficaram mortos pelo uso e abuso mas que possuem efectivamente uma importância seminal para a nossa sobrevivência. O do livre porte de armas é um deles, por enquanto é um problema que parece só preocupar os habitantes dos Estados Unidos, no entanto não vale a pena tentar nos enganarmos, porque sabemos que a velha Europa tem sido influenciada pela cultura norte-americana e por isso não é preciso ser um visionário para perceber que este problema está bem mais próximo de nós do que desejaríamos. Infelizmente há poucos dias isto ficou demonstrado pelos acontecimentos que emulam, ou tentam, os tiroteios cada vez mais frequentes nos liceus e universidades americanas e que agora tiveram ecos em escolas europeias.
Este filme, Shoot ‘Em Up, recorrendo ao absurdo da violência extrema tenta passar precisamente a mensagem contrária, e fazer-nos questionar essa mesma violência cada vez mais vulgarizada pelo grande e pequeno ecrã. O herói do filme, Mr Smith protagonizado por Clive Owen, transforma-se no guardião de um bebé que é um alvo a abater por parte de um sinistro assassino a contrato Hertz (Paul Giamatti). A história deve muito ao universo da banda desenhada e cultura popular, e isso é assumido desde o início através do uso recorrente da cenoura que Mr Smith está sempre a roer numa referência directa ao Bugs Bunny. Como seria de esperar o filme é povoado por políticos corruptos e empresários sem escrúpulos contra os quais o nosso herói tem que lutar. Essa luta toma a forma de um massacre em defesa da frágil criatura, todos os que se cruzam no seu caminho encontram o mesmo fim, uma morte mais ou menos violenta. Embora o filme desde o inicio seja uma mortandade perpetrada por Smith é curioso constatar que até meio do filme a única arma que é verdadeiramente dele é a cenoura, todas as outras são dos inimigos que ele vai enfrentando e abatendo.
Mr Smith é retratado como sendo um homem muito zangado com o mundo, com os condutores que não respeitam as regras de condução, com os que não sabem comportar-se à mesa, com os que não tomam banho, com os que possuem um sentido estético duvidoso e desajustado, enfim tudo o que pode e deve irritar qualquer pessoa, qualquer Sr Silva. Só que nós nunca vamos para além de uma breve demonstração de irritação que se esfuma em poucos segundos, mas no caso de Smith é-lhe permitido ter tempo não só para se irritar como logo de seguida arranjar uma desculpa, geralmente dada pelas circunstâncias, para materializar essa irritação matando tudo e todos.
O filme através do uso de humor negro, e recorrendo à violência extrema, quer-nos induzir a sensação de nojo pela facilidade com que hoje em dia se mata e fazer-nos questionar sobre a utilidade de qualquer pessoa andar com uma arma e poder assim eliminar quem o estiver a irritar ou incomodar.
A mensagem passa de alguma maneira, até porque é reforçada pelo diálogo que puxa sempre no sentido das ideias mais liberais, mas corre o risco de ser mal interpretado porque o humor é uma lâmina de dois gumes e pode induzir algumas pessoas a não levarem muito a sério a ideia fundamental do filme, a do perigo representado pelo facto de o mais cobarde dos homens se julgar um herói quando na posse de uma arma, exercício de poder que poucos de nós estarão à altura de contrariar.
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
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