Um Homem: Klaus Klump
Gonçalo M. Tavares
Este é um livro, e não sei porque o autor se apressou tanto em classificá-lo como Romance, que escapa a uma categoria especifica.
Estamos perante um Universo claustrofóbico onde as personagens se encontram sujeitas a um regime castrante e estrangeiro, para o qual foram arrastadas e mantidas por máquinas repressivas que se passeiam com homens lá dentro, homens capazes de crimes atrozes: violar mulheres, mães e filhas, deixando-as com doenças do foro psicológico e filhos ilegítimos. Aos companheiros cabe a humilde tarefa de vingar tão desprezíveis actos ou tão somente de os esquecer. A música aparece como forma de resistência e identidade nacional mas também como modo de impor o aleanista, o estrangeiro.
Aparentemente a palavra chave para entender este livro é nojo e algumas das suas variantes e conjugações: nojento, enoja-me, nojenta, enojava-o. Parece também que o autor se encontra obcecado em torturar formigas (alegoria?): “Uma formiga vai ser furada pela agulha neutra de uma mulher” pag. 11 e “Klaus lembrava-se em criança de derreter formigas com um fósforo aceso que aproximava.” pag. 43 Quanto às crianças algumas “filhos de certas mulheres que são violadas por soldados.” cujas professoras lhes dão “conselhos sobre o modo como fugir mais rápido quando começarem os sons perigosos. Uma criança tem fome e recebe um estalo da professora.” pag. 42 tudo isto para em seguida dizer “As crianças são bem tratadas.” pag. 43 Sem querer parecer demasiado simplista, que espécie de lógica é esta? As crianças são bem tratadas quando passam fome, são esbofeteadas e são fruto da violação de soldados déspotas?
É disto que sofre este livro da tirania do autor que para fazer soar bem uma linha é capaz de deitar por terra o que escreveu anteriomente ou o que vamos ler posteriormente. E de linhas e frases belíssimas está este livro cheio, momentos há em que me sinti a ler um livro de poesia e talvez se fosse esse o caso nada do que referi anteriormente fizesse sentido. “Klaus já viu cadáveres a mais. Por vezes pensa nesses corpos dóceis como selos que vão sendo colados à terra. E o lugar deste selo é mesmo no chão.” pag. 88 “As mãos são orgãos susceptíveis de se emocionarem. As mãos não terão apenas sentimentos tácteis, mas também sentimentos mais complexos: como a grande tristeza.” pag. 100
Mas tratando-se de um romance resta-nos uma estrutura fragmentada sem qualquer suporte narrativo credível.
As personagens quase que se erguem do chão dessa estrutura narrativa mas antes que isso aconteça naufragam numa massa informe, perdemo-nos delas, elas tornam-se distantes. Johana e Klaus (o casal), Catharina (a Mãe louca), Ivor (o soldado violador, mais tarde amante de Johana), Alof (o músico), Herthe (a amante de Klaus, a armadilha-puta) e, o seu irmão Clako que se junta à resistência na floresta; Herthe acaba por casar com um oficial do exército ocupante, Ortho, o qual é mortopor Clako, durante o casamento; Clarko por sua vez fica paraplégico depois de ser ferido pelos soldados que vieram em socorro de Ortho. Klaus acaba numa prisão onde só se encontram doidos, o que nos leva a questionar sobre a sanidade do regime anterior. “Quase justificava os tanques: os tanques entraram para tirar estes homens daqui” pag. 52
Esta guerra é muito masculina e os elementos femininos só sobrevivem porque são putas e comandam os destinos através do uso do sexo: a gorda que ajuda Klaus e Xalak a fugir da prisão; Herthe, mais uma prostituta mais tarde senhora da(e) Sociedade. Às outras mulheres só resta ficarem loucas tendo que ser internadas num manicómio e afastadas do universo social (Johana e Mãe).
Este livro poderia ter resultado num perfeito compêndio de aforismos e máximas se destilado até ao último grau de pureza tal, infelizmente, nunca se concretiza. GMT tem potêncial para vir a ser um La Rochefoucault dos nossos tempos, mas para isso temos que deixar passar tempo, muito tempo, e neste livro o tempo é uma linha recta que avança a uma velocidade proporcional ao esquecimento. É um livro para o qual o autor parece ter ido buscar inspiração ao universo de Kafka (daí talvez a personagem principal se chamar Klaus Klump em homenagem a K.), roubando pelo caminho uma ideia a George Orwell e no fim optando por escrever como um neo - Samuel Beckett. Foi pena que toda esta inspiração tenha ficado a vaguear num espaço impreganado de imagens e argumentos que vemos passar na televisão em horário agora tão pouco nobre.
Espera-se que no fim do livro ocorra uma espécie de redenção literária e nos seja revelada a chave que vai permitir descodificar esta linguagem tornando as personagens mais próximos da nossa pele e nada disto acontece, contínuamos frios perante tudo e até a ironia final é flébil. Os leitores merecem mais, o escritor será capaz de muito melhor.
domingo, 6 de janeiro de 2008
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