segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Crime Without Punishment


O último filme de Gus van Sant “Paranoid Park” transporta-nos aos temas recorrentes da sua cinematografia, a qual ultimamente se tem vindo a fixar no universo da adolescência, quer seja através do retrato possível do grotesco com “Elephant” ou deste último filme mais ao jeito de um drama psicológico do século XXI, numa espécie de homenagem a Dostoievski. Até o filme anterior “Last Days”, biografia de Kurt Cobain, se pode integrar facilmente nesta visão claustrofóbica e misteriosa que é muitas vezes associada às dores do crescimento inerentes ao início da idade adulta.
No cinema contemporâneo poucos cineastas se aproximam tanto da realidade que é ser-se adolescente nos dias de hoje e isto de um modo subtil, sem recorrer a artifícios de linguagem que poderiam por em causa a veracidade deste retrato, o qual há-de ser sempre imperfeito. O ponto de vista é puro no sentido da personagem, é como se pudéssemos habitar por instantes dentro daquele ser e viver com ele a aventura de aprender a dar os primeiros passos num mundo demasiado complexo e rico em apelos. A adolescência é quase sempre guardiã de terríveis segredos, alguns desses segredos nós percebemos mais tarde que nada possuem de terríveis, mas outros talvez mantenham essa qualidade mesmo na idade adulta. O peso de um crime, ou morte acidental, não se desvanece com a consciência mais apurada sobre aquilo que nos rodeia, há-de possuir sempre a mesma densidade. Depois de nos levar a ouvir a confissão de um adolescente sobre uma culpa difícil de suportar, o filme acaba com um ritual de chamas que parece querer expurgar a memória e purificar o futuro, mas todos os adultos sabem que por muitas fogueiras que se façam o ferro em brasa da adolescência, e das suas recordações, há-de ser sempre mais forte que todas as chamas etéreas que tentam expiar consciências pesadas. Neste caso o crime parece vir sem castigo, no entanto o castigo tem o poder de renascer das cinzas das nossas confissões, mesmo daquelas que são feitas ao vento.
O filme encontra-se repleto de imagens fortes e plenas de carga simbólica, que poderão ser mais ou menos evidentes para os espectadores, no entanto não pode ficar sem referência a homenagem ao mestre Hitchcock através de uma magnífica cena de chuveiro, neste caso na companhia de uma morte violenta mas sem sangue no ralo da banheira, é tudo feito de contrastes de sombra e luz ao som, não das cordas imaginadas por Bernard Herrmann, mas do chilrear dos pássaros que parecem ser criaturas que habitam os azulejos da casa de banho, e cujas vozes já não falam de inocência.

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