sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Desafiando as regras


Nalgumas circunstâncias é bom deixar passar algum tempo até que se possa reavaliar um filme, foi o que fiz propositadamente com esta película da chamada New wave do cinema romeno. 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias é um objecto perturbante, social e moralmente, e embora se passe na Roménia no ano de 1987, antes da queda de Ceausesco e dos regimes comunistas de leste, encontra-se impregnado de uma universalidade que cria uma dimensão, em abstracto, que permite transladar muitos momentos para a nossa sociedade contemporânea e assim questionar determinados valores que tomamos como dados adquiridos. Numa entrevista do realizador é-nos desvendado que era recorrente usar o aborto como uma forma de protesto social, que poderia ser visto como um desafio às instituições do estado e ao regime. No entanto isso nunca é assumido no filme arrastando-o para uma ambiguidade que permite centrar o drama nas personagens e não tanto no gesto que as move.
A estória resume-se em poucas linhas mas neste caso é contada de um modo tão eficiente e original que nos desarma constantemente. Vamos acompanhar o gesto clandestino de duas jovens, uma que quer fazer um aborto e outra que ajuda a amiga, mas em vez de nos fazer fixar no olhar da mulher que quer abortar o realizador faz-nos acompanhar a amiga, aquela que toma decisões e faz o “trabalho sujo”.
Para além da leitura moral, na qual se pode cair com alguma facilidade, o filme depende essencialmente do factor humano, da dimensão heróica, ou anti-heróica, da personagem que vamos acompanhando através de longos takes de imagem fixa, de cujo enquadramento por vezes saem as personagens sem nos pedir licença, continuado a acção para além do nosso olhar, o qual fica preso involuntariamente num enquadramento estéril em termos de acção. Esta escolha consciente do realizador serve para ampliar a sensação de impotência e claustrofobia na qual as personagens vivem e que é reforçada pela cena inicial e final do filme. Na primeira cena é-nos dado a ver dois peixes num aquário quase sem água, e na cena final as duas mulheres olhadas através da montra de vidro de um restaurante de hotel, quatro seres vivos sem saída que habitam prisões diferentes

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