segunda-feira, 21 de julho de 2008

Difficult Choices For A Father


Idomeneo, o rei que regressa da Guerra de Tróia onde lutou ao lado dos gregos, é confrontado com uma terrível tempestade mesmo quando está a chegar à costa do seu reino de Creta. No desespero da sobrevivência, dele e dos seus homens, faz uma promessa ao deus Neptuno, sacrificar o primeiro humano com quem se cruzar depois de chegar a porto seguro. A moral desta promessa vem assombrá-lo quando essa pessoa que o deus exige como sacrifício é o filho do Rei, Idamante, que passeia pela costa da ilha não sabendo que desse modo se estava a condenar à morte, em nome do pai e dos seus soldados.
Neptuno é muito rigoroso na aplicação da lei divina e enquanto o sacrifício não é cumprido decide fustigar o povo de Creta com uma tormenta e fazer surgir das águas um monstro marinho que aterroriza todos os habitantes da ilha.
Este tipo de dilema é o ideal para aquilo que se convencionou designar, no séc. XVIII, como Opera seria (segundo John Eliot Gardiner é um termo mal aplicado neste caso, talvez porque Mozart sempre se referiu a esta composição como grosse Oper) e Mozart não hesitou em musicá-lo com grande sucesso na altura da sua estreia em 1781. Agora vou revê-lo no Teatro Real de Madrid já na próxima sexta-feira e para além da música magnífica que já conheço, na versão dirigida pelo John Eliot Gardiner, e do elenco estrelar que vai estar presente em palco a minha curiosidade maior vai para a encenação, que alguns dizem sombria, do encenador suíço Luc Bondy. Não será de fácil digestão para a maioria dos habituais espectadores de Ópera (afirmação polémica, eu sei) que talvez não estejam à espera de uma leitura, com toda a certeza, moderna de uma história que se pode provar tão universal como a música que a sustenta. Mas quer se goste ou não temos sempre a garantia de que com uma encenação de Bondy não se vai sair da sala de espectáculo de um modo indiferente e que por incrível que pareça vamos com toda a certeza ver os cantores a representarem, sem tiques nem trejeitos, numa linguagem mais próxima da do teatro puro. Pelo menos foi isso que me foi dado ver em Aix-en-Provence quando, em 2003, ele por lá encenou o Hércules do Handel.
Há quem queira ainda ler neste drama o reflexo de outro menos mitológico, a difícil relação entre Mozart e o seu pai, o que não deixará de fazer sentido porque por muito genial que se seja não se pode estar imune à complexidade que tece a relação entre um pai e o seu filho. A literatura, a religião e a realidade estão cheias de exemplos desses, dos bons e dos maus.

Sem comentários: