segunda-feira, 30 de junho de 2008
Le Cirque Invisible
Da simplicidade e rigor nascem por vezes imperfeitas obras de arte que possuem a capacidade de nos deslumbrar e modificar a nossa visão do mundo, e mesmo que não a mudem permitem-nos despertar um novo modo de olhar esse mesmo mundo. É o caso deste circo invisível, por onde passam todos os elementos tradicionais do circo mas onde se retém apenas o essencial o qual associamos à sua magia primordial e que respira do deslumbramento que só a infância nos permite viver.
Este é um espectáculo que vem de outro tempo, e se esse tempo é o passado das tendas de freakshows, de exercícios de equilíbrio arriscados, de truques de magia, de animais domesticados e de um cómico muito colado à Comedia Dell’arte, é também um espectáculo do futuro que podemos ver imitado e, por vezes exageradamente ampliado, no chamado novo circo. O tempo neste circo é muito mais do que as três dimensões às quais nos habituámos a associar a sua passagem, e por isso não pode perecer e é-lhe permitido repetir-se sempre sem que haja o risco de nos cansar ou de se esgotar. As ideias que o atravessam são encarnadas na perfeição pelos artistas em palco, Victoria Chaplin e Jean-Baptiste Thierrée, e eu não pude deixar de pensar que no caso da primeira está a ser prestada a homenagem ideal ao seu pai, o génio do cinema mudo Charlie Chaplin, não por imitação mas por continuidade, porque neste espectáculo também se pressente a presença desse genial criador e esse pressentimento encontra-se muito para além do código genético da sua filha que se encontra em palco. E eu vi por lá os filmes de Jacques Tati, a poesia surrealista do século passado, “La Belle e La Bête” de Jean Cocteau, todos os saltimbancos desaparecidos e os que ainda por aí andam, “Giulietta degli spiriti” de Fellini, os Monty Python, o barroco operático e caricatural, e claro os cartoons satíricos que habitavam os pasquins de outros tempos. Só vi estas coisas porque nem todos nascemos com a capacidade de ver tudo, e estamos limitados pelas nossas referências, mas posso garantir-vos que por lá se pode encontrar muito mais. O desafio fica aqui para que também se deslumbrem nestes dois últimos dias que faltam.
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