Algures nos anos 80 Woody Allen entrou na minha vida através de um filme pouco provável,
Manhattan não sei o que meu ser pré-adolescente terá pensado dessa obra prima do cinema contemporâneo. Anos mais tarde lembro-me de ter visto
Uma comédia sexual numa noite de Verão. Como sempre foi no verão, muito apropriadamente, no cinema do 222 ali ao Saldanha, na rua Praia da Vitória. Passava lá grande parte das minhas férias grandes enquanto eu a minha família não íamos para fora de Lisboa ou mesmo ficando por Lisboa, longe do trabalho. Sem o saber fui construído um peculiar gosto cinéfilo assistindo a vários ciclos de cinema e lembro-me vivamente dos ciclos James Bond e dos do Woody Allen mas também de ter visto 24 vezes o
Kramer vs Kramer. Não faço ideia o que o visiomento destes filmes, e doutros, provocaram na mente daquele jovem a caminho da idade adulta, mas lembro-me bem da palavra sexual que aparecia no título do filme do Woody Allen e da desilusão, depois de o ter visto, porque de algum modo aquela ideia de sexualidade seria ainda demasiado sofisticada para mim, embora a outra também devesse ser bastante alienígena. Vi outros filmes que faziam parte do ciclo e que incluíam
What's new, Pussycat?,
Nem Guerra nem Paz,
Bananas,
Annie Hall e tantos outros que precederam
Manhattan. Foram verões intensos abrigados do calor vespertino na escura e fresca sala de cinema do 222. Mais tarde reencontrei o Woody Allen noutras salas de cinema e só me apercebi da sua verdadeira relevância quando uma professora de liceu decidiu ilustrar, perante a turma, e para humilhação de todos, que a sua melhor aluna só se poderia revelar desse modo porque afinal ela via filmes do Woody Allen. Lembro-me de ficar em silêncio perante tão avassaladora revelação e nem me atrevi a dizer à tal professora de liceu que eu já via filmes do Woody Allen desde os meus 9 anos, afinal eu não era o melhor aluno da turma.
Foi no entanto nos livros que encontrei o verdadeiro gosto pelo cineasta nova-iorquino lendo os seus textos e as suas peças de teatro. Agora regressei à sua leitura e mergulhei na sua autobiografia publicada este ano e foi reconfortante perceber que foi através da escrita que ele começou e que é como escritor que ele quer ser recordado. Claro que esse desejo de eternidade é temperado com algum cinismo porque estamos sempre a ser recordados que até os verdadeiros grandes génios da humanidade, de entre os quais ele nunca se considera, um dia destes vão ser esquecidos porque nada neste universo é eterno e nós humildes criaturas que o habitamos há tão pouco tempo, ainda mais frágeis candidatos a qualquer espécie de eternidade havemos de ser. Até lá que isso não nos impeça de apreciar o verdadeiro génio quando com ele nos encontramos, salvaguardando sempre que o gosto pelo trabalho de um génio é sempre discutível e muito pessoal.
Esta autobiografia leva-nos desde um bairro de Brooklyn nos anos 30 habitado por família judia da classe média baixa até a uma Penthhouse na 5.ª avenida nos anos 70 habitada por um solteirão namoradeiro que se casou apenas duas vezes, uma primeira sem grande sucesso com uma atriz, Louise Lasser, e uns anos mais tarde com Soon-Yi, casamento que dura até aos dias desde hoje e que se mantém bem e de saúde desde os finais dos anos 90. Está escrita no tom ao qual já nos habituámos, humor neurótico e inteligente, que não sendo uma apologia deve ser lido como um ajuste de contas com o destino, com a sagacidade que os anos lhe conferem e a humildade genuína de quem sabe ser mais do que os outros julgam mas, sempre um pouvo menos do que levamos os outros a crer.
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