terça-feira, 29 de abril de 2008
Lucky Poppy
Um filme de Mike Leigh vive e respira dos actores e por isso nunca pode deixar de ser uma experiência única porque os protagonistas são sempre excepcionais e mesmo que não o fossem desconfiamos que passariam a ser. Com Happy-Go-Lucky somos mais uma vez surpreendidos por aquele que é um dos maiores cineastas-dramaturgos do cinema inglês contemporâneo. Este filme pode parecer, aos mais incautos, uma homenagem velada ao cinema de Almodovar, pelo uso das cores, não tanto pelos contrastes mas mais pelos brilhos e vivacidade associados à indumentária e espírito da personagem principal, nesse aspecto também faz lembrar alguns momentos fixados pelo fotógrafo inglês Martin Parr. Para além disso pode ser visto por alguns como uma demonstração de mestre, dada a realizadores como Woddy Allen, sobre o que é fazer um filme que faça verdadeira justiça à cidade de Londres. Claro que Mike Leigh não é do tipo de dar lições a ninguém nem de fazer homenagens veladas, até porque isso se torna irrelevante uma vez que a verdadeira homenagem é prestada aos londrinos e à sua cidade.
O filme permite-nos um olhar sobre a vida de uma professora primária, Poppy (encarnada pela magnífica Sally Hawkins), que vive e trabalha na cidade da capital inglesa e que olha sempre para a vida através do ângulo mais positivo; esse gesto que a princípio pode ser confundido com pura ingenuidade ou ausência de apuradas faculdades mentais, vai-nos sendo revelado como sendo resultante de algo mais profundo e percebemos que esse comportamento tão exótico, num mundo cada vez mais violento e virado para o seu umbigo, resulta não de qualquer simplicidade mental mas sim de um esforço que só alguém muito original e único seria capaz de congregar. Por de entre os sorrisos que marcam presença constante no rosto de Poppy por vezes é-nos dado observar algumas sombras que se avizinham, mas essas sombras não se fixam durante muito tempo e são logo afastadas por uma boa disposição que se encontra no limiar do suportável quase a atingir o risível, e que só não o é, porque intuímos sobre a sua genuína origem. Este facto é ilustrado quando, numa das cenas, a personagem olha pela janela dizendo que está um belo dia, e quando nos é dado ver a imagem dessa beleza, constatamos que é um céu perfeitamente normal pontuado por algumas nuvens. Paradigma dessa personagem que é capaz de ver para além da normalidade, revestindo essas visões de um arco-íris que poderá enjoar os mais desprevenidos mas que nada mais é que um antídoto para as agruras da vida, e que faz contraste com aqueles que se encontram no espectro oposto e que resmungam por tudo e por nada. Versão moderna de um Cândido sem a ironia da pena de Voltaire mas com a consciência pesada do homem moderno.
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